Topo

Empresas ligadas a paraísos fiscais têm mais de R$ 8 bi em imóveis em São Paulo

Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, na zona sul de São Paulo - Bruno Santos/Folhapress
Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, na zona sul de São Paulo Imagem: Bruno Santos/Folhapress

Bernardo Barbosa*

Do UOL, em São Paulo

10/04/2017 01h00Atualizada em 10/04/2017 17h18

Ao menos 3.452 imóveis de São Paulo têm como seus donos 236 pessoas jurídicas que são ou foram controladas por empresas de paraísos fiscais, as chamadas offshores. A informação é de um estudo da ONG Transparência Internacional divulgado esta segunda (10). Somadas, as propriedades valem R$ 8,6 bilhões. Os dados foram coletados de bases de dados oficiais em maio de 2016.

Quase metade desses imóveis fica em alguns dos endereços corporativos mais valorizados de São Paulo, como as avenidas Chucri Zaidan, Engenheiro Luís Carlos Berrini, Paulista e Brigadeiro Faria Lima; e os bairros de Jardins, Vila Olímpia e Vila Nova Conceição. 

Empresas offshore são usadas, em geral, para evitar que o real beneficiário dos recursos da companhia seja conhecido e, muitas vezes, para sonegar impostos. Elas podem operar no Brasil e não são necessariamente ilegais, podendo ser usadas, por exemplo, para facilitar transações entre partes de diferentes países. Brasileiros que detêm offshores devem declará-las à Receita Federal.

Segundo a Transparência Internacional, “o fato de uma empresa encontrar-se listada neste estudo não significa o seu envolvimento em atos ilícitos. Significa apenas que ela tem ou teve offshores ou empresas registradas em paraísos fiscais ou em jurisdições secretas entre seus sócios e que ela possui imóveis na cidade de São Paulo.”

No entanto, Fabiano Angélico, consultor da ONG no Brasil, alerta que o uso de estruturas corporativas complexas que escondem o nome do beneficiário final --ou seja, quem fica com o dinheiro-- é muito comum em casos de corrupção.

A Odebrecht, por exemplo, usava contas bancárias abertas por offshores para pagar propinas fora do Brasil, segundo depoimento do ex-executivo Luiz Eduardo da Rocha Soares. 

O estudo da Transparência Internacional cita também a condenação de Nestor Cerveró, ex-executivo da Petrobras, por lavagem de dinheiro ao comprar um apartamento avaliado em R$ 7,5 milhões no Rio com recursos oriundos de propina. Cerveró usou uma offshore para esconder que era o real proprietário do imóvel.

“Os imóveis são muito atraentes para esse tipo de esquema, porque você ‘legaliza’ um grande volume de dinheiro de uma vez só”, diz Angélico.

Valor médio de R$ 2,5 milhões

O estudo foi feito por meio do cruzamento entre informações da Jucesp (Junta Comercial do Estado de São Paulo) e do cadastro do IPTU da Prefeitura de São Paulo, aberto em dezembro de 2015 após recomendação da Transparência Internacional. Todos os dados são públicos.

Os valores considerados no estudo para as propriedades são os valores venais, ou seja, aqueles definidos pela prefeitura para cálculo de impostos como o IPTU, e não os valores de mercado. Com isso, as cifras podem ser ainda maiores.

No total, 62% dos imóveis citados no estudo são comerciais, com valor total de R$ 6,8 bilhões. Já os residenciais (29% do total de imóveis) valem, somados, cerca de R$ 1,1 bilhão. Outros tipos de propriedades (cerca de 9% do total), como terrenos e edifícios-garagem, representam os quase R$ 600 milhões restantes. O valor médio da lista de propriedades é de aproximadamente R$ 2,5 milhões. 

As offshores que controlam ou controlavam empresas com propriedades em São Paulo estão sediadas principalmente nas Ilhas Virgens Britânicas, localizadas no Caribe (75 companhias), e no Uruguai (70). EUA, Panamá, Suíça, Bahamas e Ilhas Cayman, entre outros, também são alguns dos paraísos fiscais escolhidos para a abertura dessas empresas.

“A gente não está acusando ninguém, não é ilegal ter offshore, mas é uma questão de alerta. Existe um risco de que o setor imobiliário brasileiro esteja sendo usado para lavar dinheiro”, afirma Angélico, da Transparência Internacional. “Temos que aumentar a transparência, reduzir os incentivos à corrupção. Essa situação é um incentivo. É muito fácil abrir uma offshore e controlar uma empresa brasileira com uma offshore.”

Prática é restrita, diz presidente do Secovi-SP

Para Flávio Amary, presidente do Secovi-SP (Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo), a prática é bastante restrita se levado em conta o fato de que São Paulo tem “milhões de domicílios”.

“Se comparar com o mercado americano, esse valor é muito maior do que os R$ 8,6 bilhões divulgados. Nos EUA, é muito maior do que isso. Se comparar com Nova York, quantos imóveis lá são de propriedade de offshore?”, disse ao UOL.

Amary afirmou não descartar a possibilidade de haver algo ilegal no processo, mas disse que não há problema algum em uma empresa vinculada a uma offshore ser dona de imóveis, desde que as propriedades e a origem dos recursos sejam declaradas às autoridades.

Segundo o presidente do Secovi-SP, o sindicato costuma oferecer orientações sobre boas práticas no comércio de imóveis.

“Representantes do Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras] já estiveram aqui para mostrar como funcionam as declarações e comunicados das empresas para o órgão”, disse. “É preciso declarar as vendas de imóveis feitas ano a ano. Esse tipo de trabalho se faz para mostrar a obrigação de quem comercializa prestar as informações necessárias aos órgãos competentes.”

*Colaborou Mirthyani Bezerra