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'Vi uma menina igualzinha a mim na rua e descobri que era minha irmã gêmea'

Suely e Vera se conheceram na adolescência e se tornaram grandes amigas - Arquivo pessoal
Suely e Vera se conheceram na adolescência e se tornaram grandes amigas Imagem: Arquivo pessoal

Juliana Almirante

Colaboração para o UOL

21/07/2023 04h00

A história de Suely e Vera, de 72 anos, é marcada por mistérios e um reencontro improvável. Elas são irmãs gêmeas, mas só descobriram isso na adolescência, quando se encontraram, por acaso, em um ponto de ônibus no centro de Niterói (RJ).

Ao UOL, Suely Rosendo Pereira conta como tudo ocorreu.

Suely tinha 16 anos e conta que estava na Avenida Amaral Peixoto, uma das mais movimentadas da cidade, quando foi vista por uma mulher desconhecida, que a abraçou.

"Eu estava no ponto de ônibus esperando minha prima sair do serviço. Chegou uma senhora, que me abraçou e me beijou. Depois, chegou uma menina que era igualzinha a mim. Ela olhou para mim e saiu correndo. A mãe dela gritou: 'Verinha, venha cá'!"

A menina assustada com o encontro improvável era Vera Lúcia Garcia Cruz. E a mulher que abraçou Suely era a mãe adotiva de Vera, Hilda Garcia.

Assim como Vera, Suely conta que também se espantou ao ver, no meio da rua, uma pessoa que se parecia tanto com ela, como se fosse um xerox seu. Aquele encontro resultaria em descobertas que mudariam as vidas das jovens.

Até então, as meninas não sabiam que haviam sido separadas na maternidade e adotadas por famílias diferentes. Foi a partir deste momento que Suely descobriu que havia sido acolhida por uma família que não era a biológica.

"Eu não sabia que era adotada, nem ela [irmã gêmea]. Foi um choque."

Descoberta da adoção

Nesse encontro, Hilda perguntou a Suely sobre a sua mãe adotiva, Antonieta Rosendo. E Suely estranhou aquela aproximação, porque ainda não conhecia a mulher nem a jovem que se parecia tanto com ela.

Depois disso, naquele mesmo dia, Suely foi abordada na rua por uma amiga de Hilda, que a chamou de Vera, confundindo-a com a irmã gêmea.

"Essa moça me chamou de Vera. Ela segurou no meu braço e disse: 'Ô, Verinha. Eu vou contar para a dona Hilda que você saiu'. Foi muita coincidência. Eu mostrei a minha carteira de trabalho para ela ver o meu nome e ela acreditou que eu não era Vera."

A amiga de Hilda foi até a casa dela para relatar o encontro com Suely. Assim, a mãe adotiva de Vera resolveu ir até a casa da irmã gêmea da filha adotiva e revelar toda a história sobre a adoção.

Quando cheguei em casa, aquela senhora [Hilda] já estava lá. A senhora que me abraçou e cuja filha saiu correndo. Minha mãe estava quieta. Dona Hilda falou: 'Senta aqui, Suely, quero falar com você'. Então ela começou a falar a verdade e chorei muito.

Separação das gêmeas

- - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
As irmãs gêmeas Suely e Vera Lúcia foram separadas na maternidade e se reencontraram aos 16 anos
Imagem: Arquivo pessoal

As gêmeas nasceram no dia 4 de janeiro de 1951, em uma maternidade que hoje é extinta. E cresceram em bairros diferentes de Niterói.

Segundo souberam depois, a intenção da mãe adotiva de Vera era acolher as duas irmãs, mas Suely precisou ficar no hospital por mais alguns dias.

Quando Hilda voltou ao local de nascimento das gêmeas, outra família já havia adotado a irmã de Vera.

Suely conta que, na infância, chegou a desconfiar de ter sido adotada, mas a hipótese não foi confirmada por sua mãe adotiva. Na certidão de nascimento, ela foi registrada com o nome dos pais adotivos e com a informação de que o parto ocorreu em casa.

Quando eu tinha 7 anos, um rapaz me fez uma visita e perguntou à minha mãe se eu era a pessoa que ela pegou para criar. Ela disfarçou. Eu pegava a minha certidão e lá dizia que eu era filha legítima dela.

Busca por família biológica

Após conhecer Vera, Suely se tornou muito amiga da irmã gêmea. As duas tiveram filhos e netos e seguem morando em Niterói. A aposentada lamenta que a irmã tenha sido diagnosticada com a doença de Alzheimer e, por isso, hoje já não a reconhece.

Há 13 anos, ela descobriu a doença. Mas, só depois da pandemia, ela começou a esquecer mais das coisas. Eu chorei muito quando ela não me reconheceu.

Suely também diz que foi criada com muito carinho pela família que a adotou. Apesar de ter buscado seus pais biológicos, não teve a oportunidade de conhecê-los — mas não perde as esperanças de um dia entender toda a sua história.

"Quando minha mãe (adotiva) estava viva, eu nunca procurei, para não magoá-la. Depois que minha mãe faleceu, eu procurei saber sobre minha mãe biológica. Há mais de 10 anos eu procuro", diz.

A aposentada recebeu poucas informações sobre sua ascendência. "No princípio, ela (Hilda) disse que minha mãe biológica tinha morrido no parto. Depois, disse que não, que minha mãe (biológica) não tinha morrido e que tinha nos deixado lá", conta.

Após a morte da mãe adotiva de Vera, Suely conta que a irmã gêmea encontrou um documento de vacinação que indicava os nomes dos seus pais biológicos.

"O nome da minha mãe biológica era Julia Maria da Silva e o do meu pai era Sebastião Maia. Esses dados estão no cartão da vacina BCG da minha irmã", relata.

Suely afirma que soube, por meio de uma tia adotiva, que a sua mãe biológica teve outros filhos e que eles estariam em um abrigo — mas essa informação nunca foi confirmada.

Ela diz que chegou a ir a essa instituição, mas não recebeu nenhuma informação sobre os supostos parentes.

Tenho vontade de saber sobre meus irmãos. É um sonho.

Adoção

Casos de adoção sem registro formal, como o de Suely e Vera, eram mais comuns no passado. Hoje, a adoção tem de passar por uma série de procedimentos na Justiça para ser concretizada, justamente para evitar problemas às crianças.

Quando a mãe biológica não pode cuidar da criança que gerou, o procedimento padrão atualmente é avisar autoridades, que direcionam o bebê ao Sistema Nacional de Adoção. A família que fará a adoção, por sua vez, já está cadastrada no sistema e passou por cursos e orientações para levar adiante o processo.