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Análise: O que o sucesso de extremistas significa para a democracia

Gian Ehrenzeller/EFE/EPA
Imagem: Gian Ehrenzeller/EFE/EPA

Dirk Kurbjuweit

21/05/2016 06h00

A democracia reflete a vontade do povo. Mas e se a vontade do povo ameaçar a democracia? Com a ascensão da direita, há apenas uma abordagem apropriada.

Há mais na democracia do que apenas a escritura sagrada da Constituição; há também os números sagrados: os resultados eleitorais. Juntos, palavras e números moldam a política do país. Nesse processo, a Constituição é a constante, enquanto a eleição representa o elemento dinâmico. No futuro próximo, isso também poderá representar um problema em vários locais: os resultados eleitorais deverão apresentar os números errados.

Na Áustria, um populista de direita poderá ser eleito presidente. Isso também pode vir a acontecer nos Estados Unidos. O AfD na Alemanha e a Frente Nacional na França também têm obtido votações fortes. Um "incêndio florestal" populista de direita pode ser possível.

Mas existe algo como um resultado eleitoral incorreto? Eles não são apenas desagradáveis ou impopulares, dependendo do ponto de vista subjetivo de alguém? Em termos objetivos, os números estão sempre certos. Eles expressam a vontade do povo e concedem à maioria o poder de governar. Essa é a intenção.

"É certo questionar a democracia?", perguntou recentemente o jornalista Jakob Augstein em sua coluna na "Spiegel". Ele citou o filósofo francês Alain Badiou, que queria apenas aceitar os resultados eleitorais se eles o agradassem.

Esse é o caminho certo? Abolir a democracia antes que resulte em números indesejados? Indesejados, neste caso, do ponto de vista esquerdista, mas os populistas de direita também são temidos pelos verdes, liberais e conservadores.

Em outras palavras, alguém poderia considerar matar a democracia por medo da morte da democracia. Elites bem intencionadas assumiriam o poder e diriam às pessoas o que é bom para elas. Isso pode ser até mesmo o que algumas pessoas estão sonhando.

Autodissolução

Mas a morte da democracia está aberta a debate? Isso não é algo altamente exagerado? Por um lado, sim. Por outro, há sinais bastante inquietantes. Durante eventos de campanha de Donald Trump, jornalistas foram intimidados, e o mesmo aconteceu em uma recente conferência do partido AfD em Berlim. O termo "imprensa mentirosa" usado pelo AfD e outros populistas na Alemanha igualmente busca minar a liberdade de opinião e, com isso, a base da democracia.

Em sua forma mais pura, a democracia tem um mecanismo embutido de autodissolução. Onde a maioria governa, a maioria também pode decidir acabar com o governo da maioria. É por isso que as Constituições costumam ser ambivalentes. Elas tanto confiam quanto desconfiam do eleitorado. O povo deve agir de forma soberana, mas não totalmente.

A Constituição alemã, por exemplo, protege contra maiorias "erradas". Partidos inconstitucionais podem ser proibidos, e tanto a ordem fundamental do Estado quanto os primeiros 20 artigos da Constituição, incluindo o direito de liberdade de opinião, estão sujeitos a uma cláusula de perpetuidade. Eles não podem ser eliminados.

Mas o que perpetuidade significa? Outros textos sagrados também perderam seu poder vinculante ao longo dos anos. O mundo atual parece muito diferente do que em 1949, quando algumas poucas centenas de pessoas em Bonn ratificaram a Lei Fundamental, a Constituição alemã. Elas não tinham ideia sobre a futura era digital, que transformaria profundamente a política e levantaria a questão sobre se novas Constituições são necessárias.

Verdadeiros democratas

Nem proibições de partidos fornecem proteção. Apenas os mais estúpidos dos movimentos anticonstitucionais são idiotas o bastante para expor suas verdadeiras intenções, como tem feito o neonazista Partido Nacional Democrata (NPD). O restante se mantém em silêncio. Ninguém sabe, por exemplo, o que o AfD faria se obtivesse a maioria.

Nós estamos longe desse cenário. Isto é apenas um exercício mental. Mas baseado na realidade, porque a prevenção, por sua própria natureza, deve começar muito antes da ocorrência temida.

Se o populista de direita Norbert Hofer for eleito presidente da Áustria, os fracassos que possibilitaram sua eleição serão encontrados no passado. O mesmo vale em caso de uma vitória de Trump.

Então será alegado que os partidos estabelecidos e a mídia deram suas costas à população, que se comportaram arrogantemente como senhores da democracia. E isso não é totalmente falso. A maior arrogância, entretanto, seria dizer aos eleitores que eles votaram no candidato errado por não saberem o que é bom para eles. A característica definidora de verdadeiros campeões da democracia é a de aceitarem os resultados eleitorais como são, porque levam os eleitores a sério. Qualquer outra coisa leva a uma revolução.

Isso não significa que verdadeiros democratas se recostam e não fazem nada até resultados indesejados começarem a surgir. Eles não são desanimados nem dogmáticos; eles são ativos e esperançosos. Eles não desistem da democracia, eles lutam por ela. Eles diferenciam entre os membros de um partido populista de direita e os eleitores do partido. Eles contestam os primeiros com discordância constante e cortejam os outros oferecendo melhores alternativas.

Ainda está longe de ser tarde demais para a Alemanha tomar este caminho.