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"Acham que somos animais, mas temos direitos", diz membro de gangue de El Salvador; trégua proporciona paz tênue

Membros da gangue Barrio 18, uma das maiores do país, fotografados na prisão de Quezaltepeque - Tomas Munita / The New York Times
Membros da gangue Barrio 18, uma das maiores do país, fotografados na prisão de Quezaltepeque Imagem: Tomas Munita / The New York Times

Randal C. Archibold

Em San Salvador

30/08/2012 06h00

Eles se encontraram muitas vezes antes, nas ruas, com armas nas mãos. Mas quando os altos líderes das duas quadrilhas mais violentas do hemisfério sentaram-se frente a frente no ar sufocante de uma prisão de segurança máxima este ano, o encontro teve um objetivo diferente: a paz.

Com o intermédio de um capelão militar e um ex-legislador, os líderes de gangue presos fizeram um minuto de silêncio pelas milhares de pessoas que seus exércitos de rua mataram. Depois de alguns outros encontros – e da permissão do governo para transferir 30 dos líderes para condições menos restritivas – eles apertaram as mãos num pacto para terminar com os assassinatos.

“Dissemos que tínhamos que conversar porque as coisas estavam saindo de controle”, disse Carlos Tiberio Valladares, um líder preso por assassinato que tem tatuagens de sua gangue por todo o rosto. “Ninguém vai dizer que quer que os filhos continuem neste caminho.”

Cinco meses depois, a paz persiste em El Salvador, há tempos um dos países mais violentos das Américas. Com 30 mil a 50 mil membros, além de armamentos que incluem rifles de assalto e granadas, as duas gangues são praticamente exércitos que têm o poder de afetar a segurança de toda a região – e usaram-no para aterrorizar populações ainda temerosas por conta de anos de guerra civil e instabilidade.

Agora a trégua está lançando o país na direção oposta, dizem autoridades, levando a uma queda na violência. Mas outros questionam se o governo deveria ter feito o que alguns consideram como um pacto com o demônio pelo bem público.

“Este é um momento histórico em El Salvador”, disse Alex Sanchez, ex-membro de gangue salvadorenho que dirige a Homies Unidos, um programa antiviolência em Los Angeles. “Se perdermos este momento, perderemos a chance de uma vida inteira.”

Os homicídios no país de 6 milhões de habitantes caíram 32% na primeira metade do ano, de uma média de cerca de 14 por dia para seis por dia; os sequestros caíram 50%; e a extorsão caiu quase 10%, de acordo com um ministro da segurança salvadorenho, que atribui a queda em grande parte à trégua.

As negociações de paz envolveram as duas maiores gangues da região, Mara Salvatrucha e Barrio 18, que têm raízes em Los Angeles. Seus integrantes se proliferaram nos Estados Unidos depois que jovens fugiram do conflito civil na América Central nos anos 80. Quando muitos foram mais tarde deportados por crimes nos Estados Unidos, as gangues formaram grandes afiliações em El Salvador e países vizinhos.

Numa série de ataques que mataram mais de 16 pessoas, há dois anos, membros de uma gangue prenderam passageiros em ônibus e colocaram fogo em um ônibus lotado. Um dos líderes de gangue que negociou a trégua fazia parte de um grupo que sequestrou e matou o filho de um empresário. Alguns integrantes serviram como soldados para organizações de tráfico de drogas com sede no México.

Na primeira reunião de trégua, olhares raivosos alimentaram a tensão, de acordo com os presentes. Cerca de 200 soldados ficaram de prontidão caso a reunião acabasse num banho de sangue entre os milhares de integrantes que os líderes das gangues comandavam por detrás das grades.

Esses prisioneiros, alguns marcados dos pés à cabeça com tatuagens, agora falam numa nova era. Cogitam a possibilidade de trabalhar em vez de roubar para ganhar a vida. Eles comparam a trégua, por frágil que seja, aos acordos de paz que interromperam a guerra civil de 12 anos no país, em 1992.

“Nós mostramos boa vontade”, disse Victor Antonio Garcia, um líder da Barrio 18 deportado de Los Angeles. “Mas agora o governo precisa se envolver. Precisamos, por exemplo, de uma lei de ação afirmativa para os integrantes de gangues que desistiram e precisam de emprego.”

A trégua teve alguns momentos confusos.

Os líderes de gangues sentaram-se no mês passado com José Miguel Insulza, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, que, como se estivesse numa reunião de líderes regionais, chamou a trégua de uma virada promissora para combater a onda de violência na América Central. Depois, seis homens mascarados entregaram armas pesadas a seus pés, num gesto simbólico.

“Se a presença do secretário geral da OEA ajudar na proposta de paz, eu estarei aqui”, disse Insulza.

Muitos continuam céticos em relação à duração da trégua, observando a falta de alternativas para os jovens nos bairros pobres. Depois de uma queda considerável, o número de homicídios voltou a aumentar no início deste mês, e relatos de extorsão e desaparecimentos continuam altos, levando alguns a alertar que o pacto “pode correr o risco de ruir”.

A trégua não impediu os modos cruéis de todos os integrantes das gangues. Alguns que violaram a trégua foram mortos, de acordo com líderes de gangue e um assistente social envolvido nas negociações. Os líderes disseram que não conseguem controlar todos os seus integrantes.

Continua havendo alguma violência, a julgar pelo que ocorreu este mês em um necrotério, onde Wendy Maritza Rodriguez gritava “Oh, meu amor! Meu amor!” enquanto funcionários retiravam um lençol branco do corpo de seu sobrinho, que era membro da gangue Mara Salvatrucha. Ele foi morto, ela supõe, por tentar deixar a gangue.

“Se você tenta fazer outra coisa da vida, eles o matam”, disse ela, enxugando as lágrimas.

O governo primeiro negou qualquer envolvimento com a trégua e depois anunciou que estava acomodando um esforço de paz impulsionado por líderes da Igreja Católica, assistentes sociais e membros de gangues. A agência de prisão reconheceu que tinha concordado em transferir os líderes de gangues para fora da segurança máxima, fornecer televisores e outras concessões, como aumentar os direitos de visitação, para encorajar a trégua.

“O que eu não vejo como viável é basear uma política estatal num acordo de não agressão entre bandos de criminosos”, escreveu o colunista Luis Lainez no jornal “La Prensa Grafica”, o principal do país.

Representantes da vizinha Honduras, eles próprios lutando contra a violência fora de controle, dizem que vale a pena estudar a trégua. Mas os representantes dos Estados Unidos mantiveram distância.

“Achamos que, sim, ela reduziu o crime, mas a longo prazo, sentimos que precisamos lidar com as causas para que ela seja efetiva e para que essa redução seja sustentável”, disse Mari Carmen Aponte, embaixadora norte-americana.

Ela disse que a embaixada recentemente aumentou os esforços para melhorar os programas fora da escola e o policiamento comunitário. Funcionários do governo na Guatemala, onde líderes das gangues também estariam considerando uma trégua, descartaram a ideia de participar de qualquer forma.

Raul Mijango, ex-legislador que é o mediador chefe na iniciativa salvadorenha, disse que o ministro da segurança, David Munguia Payes, de quem ele se tornou amigo depois da guerra civil, levantou a ideia de colocar as gangues para conversar no outono passado, sem mencionar especificamente uma trégua ou oferecer ajuda do governo.

Mijango disse que mais tarde alistou o monsenhor Fabio Colindres, capelão militar, e começou discussões sérias com as gangues em janeiro que por fim levaram à ideia de uma trégua.

Munguia, o ministro da segurança, disse duvidar que se encontrará pessoalmente com os líderes das gangues, citando a posição oficial do governo de que ele não negociará com criminosos. Mas ele também falou da trégua como parte de uma “nova estratégia” para coibir a violência.

“Muitos acharam que ela duraria um mês, e agora já faz cinco meses”, diz ele.

Atrás das grades, a conversa esperançosa de paz é temperada com uma impaciência crescente.

“Este processo de paz é difícil de manter”, diz Garcia, líder da Barrio 18.

Ludwig Rivera, 28, líder da Barrio 18 com tatuagens cobrindo praticamente todo o rosto, disse: “não é que a trégua seja fraca. Nós sentimos que é forte. Mas a falta de envolvimento das autoridades e do público pode torná-la fraca. Eles todos acham que nós somos animais, mas nós temos direitos e estamos dando um passo, então eles também devem dar um” investindo em programas de reabilitação.

As gangues rivais ainda são mantidas em prisões separadas, para não se agredirem.

“Não chegamos lá ainda”, disse Rivera sobre a ideia de dividir uma cela com um membro da Mara Salvatrucha. “Os sentimentos ainda são muito fortes.”

(Gene Palumbo contribuiu com a reportagem)