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Em Cuba, bandeira americana está em roupas, bandanas e carros, mas não no mastro

Randal C. Archibold

Em Havana (Cuba)

15/04/2015 06h00

O degelo diplomático entre Estados Unidos e Cuba está sendo acompanhado por um inesperado tremular de bandeiras aqui –mas da bandeira americana.

Ela é vista em prédios de apartamentos e em ciclotáxis. Ela está presente em camisetas e bandanas. Em calças elásticas, sua estampa cobre grande parte de uma perna. Até mesmo alguns poucos purificadores de ar exibem sua imagem (com aroma de baunilha).

"Estou vendo coisas em Cuba que nunca imaginei que veria", disse um homem de meia-idade, admirando a calça estampada com bandeira usada por uma mulher jovem. 

A mulher, que não quis dizer seu nome, temendo falar sobre o símbolo de uma nação ainda em atrito com Cuba em muitas questões, disse que a calça foi um presente de uma amiga que sabia o quanto ela gostava da cultura popular americana. 

"É apenas moda", ela disse, correndo para deixar algo claro em um país onde qualquer oposição aberta ao governo pode provocar escrutínio ou pior. "Não é uma declaração."

É claro, há um lugar onde a bandeira ainda não apareceu: diante do posto diplomático americano aqui, conhecido como "seção de interesses", que costumava ser a embaixada até que as relações entre os países foram cortadas em 1961.

Após anunciar em dezembro que pretendiam restaurar as relações diplomáticas, as autoridades em Washington e em Havana ainda falam sobre quando e como reabrir as embaixadas. 

Em uma cúpula regional no último fim de semana no Panamá, o presidente Barack Obama e o presidente Raúl Castro realizaram o primeiro encontro entre líderes dos dois países desde a Revolução Cubana. (O encontro ocorreu sem a presença de suas bandeiras.) 

Diplomatas de ambos os lados disseram que quando a hora chegar, eles esperam hastear suas bandeiras em missões diplomáticas. Trabalhadores restauraram nas últimas semanas o mastro no lado externo da seção de interesses, no principal bulevar à beira-mar, na expectativa de que a bandeira volte a tremular ali pela primeira vez em mais de cinco décadas. 

Mas independente do que os diplomatas estão fazendo, o fato é que muitas pessoas estão mostrando que os cubanos nunca perderam seu amor pela cultura americana, apesar do embargo comercial contencioso e anos de hostilidade política. 

Nos últimos anos, Cuba passou por outras ondas de mania por bandeiras estrangeiras: a bandeira britânica entrou na moda por volta dos Jogos Olímpicos de Londres de 2012, e itens decorados com a bandeira americana brotam de vez em quando ao longo dos anos. Mas observadores de tendências daqui argumentam que as roupas com estampas da bandeira americana estão proliferando, para consternação de algumas pessoas no governo. 

Um artigo no ano passado no site de notícias do governo, Cubadebate.com, desaprovou as exibições como uma forma de imperialismo cultural. "Dói ver um cubano envolto em uma bandeira americana", disse um comentarista no artigo. "Minha mente não aceita." 

Apesar de consideradas por muitos como um símbolo de liberdade, roupas com tema da bandeira também podem contar com um ar de contrabando. Os consumidores dizem que muitas das roupas são importadas às escondidas da Flórida e do Panamá, e que são proibidas de ser revendidas, mesmo sob o esforço acelerado de Cuba para promover o empreendedorismo. 

Assim, parece que muitas dessas pessoas têm amigos e parentes que amam bandeiras no exterior: um mecânico com uma camiseta "I Love USA"; um carro dos anos 50 com um adesivo da bandeira americana em uma estrada solitária fora de Havana; um menino com short com tema da bandeira caminhando em uma travessa tranquila fora de Havana; uma adolescente em uma feira adornada do pescoço aos pés com a bandeira americana. 

"Gostou?" perguntou Eugenia Rodriguez, 24 anos, vestindo uma camiseta estampada com a bandeira americana em uma caminhada pelo bairro por aqui, mas vaga sobre sua procedência. "Você pode conseguir uma dessas por aqui." 

Alguns dissidentes dizem acreditar que a moda com estampas da bandeira é um grito por mudança, mas os cubanos comuns há muito apreciam os visitantes americanos e acompanham atentamente esportes e a cultura pop americana. Muitos são rápidos em discutir seu amor por beisebol e compartilhar os mais recentes filmes e séries de televisão em pendrives e discos rígidos de computador. 

"Muitos cubanos estão empolgados com os potenciais benefícios sociais e econômicos que as relações restauradas entre Estados Unidos e Cuba podem promover", disse Marc D. Perry, um antropólogo da Universidade de Tulane, que estuda as tendências sociais cubanas. "Esse é o atual zeitgeist popular de Cuba, se preferir, e essas expressões culturais refletem isso." 

O aumento de bandeiras à vista, independente de ser uma moda passageira ou não, provavelmente seria menos extenso se Fidel Castro, 88 anos, estivesse no poder. Da revolução dos anos 50 a uma recente carta condenando as sanções americanas a várias autoridades venezuelanas, ele manteve um relacionamento bem mais antagônico com os Estados Unidos, e o único tipo de acenar de bandeiras inspirado pelos Estados Unidos durante seu governo eram as massas de bandeiras cubanas exibidas nas marchas de protesto contra "o império". 

Mas essas manifestações desapareceram desde que Raúl assumiu o poder quando Fidel adoeceu em 2006, e uma série de mastros que Cuba instalou ao lado da seção de interesses, para bloquear propaganda do governo americano no prédio, agora apenas ocasionalmente conta com bandeiras cubanas.

Tradutor: George El Khouri Andolfato