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Temer sai das sombras enquanto escândalo envolve Dilma

Pedro Ladeira/Folhapress
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Simon Romero

No Rio

07/08/2015 20h05

Poucos brasileiros deram muita atenção até pouco tempo ao seu vice-presidente, um doutor em direito constitucional de 74 anos com uma postura tão formal que um rival político já o comparou a um "mordomo de filme de terror".

Quando o vice-presidente, Michel Temer, ocasionalmente ganhava atenção nacional, era por suas incursões na poesia lírica (ele publicou um livro de seus versos em 2013) ou pela atenção atraída por sua mulher de 32 anos, Marcela, uma ex-participante de concursos de beleza que tem o nome dele tatuado em sua nuca.

Mas Temer agora está saindo das sombras enquanto a presidente Dilma Rousseff enfrenta uma rebelião dos partidos de sua coalizão, uma economia em declínio e pedidos de impeachment por um colossal escândalo de corrupção envolvendo a Petrobras, a companhia petrolífera controlada pelo governo. Independente de Dilma permanecer no poder ou ser afastada, seu vice-presidente já está vendo sua influência crescer, assumindo um papel mais ativo no dia a dia do governo, enquanto dialoga tanto com os apoiadores quanto com os oponentes do governo.

"Temer está claramente se posicionando para uma série de cenários, incluindo aqueles no qual assumirá como próximo presidente do Brasil", disse David Fleischer, professor emérito de ciência política da Universidade de Brasília. "Enquanto isso, ele está usando suas habilidades como negociador discreto, aumentando seu próprio poder enquanto outros apertam o nó em torno da presidente."

A turbulência política no Brasil reflete o azedamento do humor nacional no maior país da América Latina, que ascendeu na década passada como uma potência econômica e diplomática no mundo em desenvolvimento. Com impressionantes acusações de propina surgindo quase que semanalmente, os brasileiros agora estão examinando a possibilidade de dois dos quatro presidentes eleitos desde que a democracia foi restabelecida nos anos 80, após uma longa ditadura, não conseguirem concluir seus mandatos.

Dilma insiste que não cairá, realizando manobras para evitar o destino de Fernando Collor de Mello, o ex-presidente que caiu em desgraça e renunciou em 1992, em um escândalo de tráfico de influência. (Collor, atualmente um senador, também está sob investigação por alegações de envolvimento no esquema de pagamento de propina da Petrobras.)

Mas em declarações públicas, Temer parece sinalizar que os dias de Dilma como presidente podem estar contados, e que sua hora pode estar chegando. "É preciso que alguém possa, tenha capacidade de reunificar a todos, de unir a todos", disse Temer nesta semana sobre a tensão que toma Brasília, sem mencionar Dilma como sendo essa figura unificadora. "Caso contrário, poderemos entrar numa crise desagradável."

Temer, cujo gabinete não respondeu aos vários pedidos de entrevista, expressou publicamente apoio a Dilma após essa declaração, argumentando que a presidente em breve contará com o "apoio extraordinário da população" e reverterá o despencar de seus índices de aprovação. Mas muitos observadores ainda veem Temer se posicionando para o que virá a seguir em Brasília.

"Temer jogou a presidente aos leões quando disse que precisamos de alguém para unir o país", disse Cássio Cunha Lima, um senador da oposição, aos repórteres nesta semana.

Apesar de não ter surgido nenhum testemunho de que Dilma lucrou pessoalmente com o esquema de propina, analistas políticos dizem que ela enfrenta uma série de desafios em um momento em que a desaprovação ao seu governo está crescendo.

Uma pesquisa de opinião realizada pelo Datafolha apontou que apenas 8% dos brasileiros apoiam Dilma e 66% apoiam a abertura do processo de impeachment. A pesquisa, realizada entre 4 e 5 de agosto e que entrevistou 3.363 pessoas, conta com margem de erro de 2 pontos percentuais para mais ou para menos.

Alguns dos defensores de Dilma comparam a conversa de impeachment a um golpe em câmera lenta, o comparando à derrubada em 2012 de Fernando Lugo, no vizinho Paraguai. E até mesmo alguns críticos de Dilma alertam que a remoção da presidente poderia levar a uma crise mais intensa.

"O pós-impeachment arrisca ser ainda mais tumultuado que o momento atual", escreveu o colunista Roberto Pompeu de Toledo na "Veja", uma revista que assumiu uma posição de oposição a Dilma.

De qualquer modo, Dilma enfrenta vários desafios legais que complicam sua presidência.

O Tribunal de Contas da União, um órgão auditor ligado ao Poder Legislativo, está examinando se Dilma usou fundos dos bancos estatais de forma imprópria em 2014 para cobrir déficits orçamentários. Uma decisão contra Dilma poderia abrir o caminho para o processo de impeachment, potencialmente permitindo a Temer ocupar o seu lugar, apesar de que ela poderia apelas ao Supremo Tribunal Federal.

Separadamente, o Tribunal Superior Eleitoral, que supervisiona as eleições no Brasil, está analisando as acusações de que a campanha para reeleição de Dilma em 2014 aceitou doações ilícitas das construtoras envolvidas no escândalo da Petrobras. Uma decisão pelo tribunal poderia levar à perda de mandato de Dilma e de Temer, já que ambos concorreram na mesma chapa.

Nesse cenário, Eduardo Cunha, o presidente da Câmara, poderia ascender à Presidência. Mas Cunha está sob investigação por alegações de ter aceito US$ 5 milhões em propina. O Tribunal Superior Eleitoral também poderia convocar novas eleições, potencialmente favorecendo Aécio Neves, o senador do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que perdeu por pequena margem para Dilma em outubro passado, ou mesmo entregar a presidência a Aécio Neves.

Enquanto isso, os parlamentares de oposição estão buscando dar início ao processo de impeachment contra Dilma. Por ora, os líderes do Congresso parecem estar resistindo aos esforços, enfatizando que a presidente não foi ligada explicitamente a qualquer atividade ilegal.

Com 1,70 metro, Temer, o mais jovem de oitos filhos de cristãos maronitas que emigraram do Líbano para São Paulo nos anos 20, é uma figura incomum na política brasileira. Casado três vezes, ele tem cinco filhos, vários deles mais velhos que sua mulher, que às vezes aparece mais alta que ele nas fotos.

Temer permanece relativamente ileso em uma cultura política atormentada por escândalos. Ele figurou em uma lista de políticos que receberam doações de campanha ilícitas nos anos 90 da Camargo Corrêa, uma construtora, mas a investigação não resultou em denúncia contra ele, segundo o noticiário.

Analistas políticos descrevem Temer como um centrista que evita a inclinação conservadora de parte de seu partido. Ele é doutor em direito constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e ainda fala do modo cauteloso de um jurista, evitando os acessos e insultos que às vezes caracterizam a vida política em Brasília.

"O Michel só é ousado nas conquistas amorosas", disse Geddel Vieira Lima, um político do Estado da Bahia que é amigo de Temer, à "Piauí", uma revista brasileira. "Na política ele é muito ponderado."