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Itens essenciais do imigrante do século 21: comida, abrigo... e um smartphone

26.jul.2015 - Sírios fazem chamadas telefônicas após viajarem de barco inflável da Turquia para Lesbos, na Grécia - Sergey Ponomarev/The New York Times
26.jul.2015 - Sírios fazem chamadas telefônicas após viajarem de barco inflável da Turquia para Lesbos, na Grécia Imagem: Sergey Ponomarev/The New York Times

Matthew Brunwasser

Belgrado (Sérvia)

30/08/2015 06h00

As dezenas de milhares de imigrantes que inundaram os Bálcãs nas últimas semanas precisam de comida, água e abrigo, assim como os milhões de desalojados pela guerra em todo o mundo. Mas há também outra coisa sem a qual eles juram que não podem viver: uma estação para carregar o smartphone.

"Toda vez que vou para um país novo, eu compro um cartão SIM, ativo a internet e baixo o mapa para me localizar", explicou Osama Aljasem, um professor de música de 32 anos de idade de Deir al-Zour, na Síria, sentado em um banco de parque quebrado em Belgrado, olhando para seu smartphone e planejando sua próxima mudança para o norte da Europa.

"Eu nunca teria conseguido chegar ao meu destino sem o smartphone", acrescentou. "Fico estressado quando a bateria começa a ficar baixa."

A tecnologia transformou a crise de refugiados do século 21, entre outras coisas, facilitando que mais milhões de pessoas se desloquem. Ela intensificou as pressões sobre as rotas que se mostram bem sucedidas, como esta através dos Balcãs, onde a ONU disse na última terça-feira (25) que cerca de 3.000 pessoas por dia continuam atravessando a fronteira da Grécia para a Macedônia.

Nesta migração moderna, mapas de smartphones, aplicativos de GPS, mídias sociais e WhatsApp se tornaram ferramentas essenciais.

Os migrantes dependem deles para publicar atualizações em tempo real sobre rotas, prisões, movimentos de guardas de fronteira e transportes, bem como sobre lugares para ficar e preços, tudo isso enquanto permanecem em contato com a família e os amigos.

A primeira coisa que muitos fazem depois de terem atravessado com sucesso a passagem marítima entre a Turquia e a Grécia é sacar o smartphone e mandar uma mensagem para a família dizendo que conseguiram chegar.

Grande parte da mudança está sendo impulsionada pelas dezenas de milhares de sírios de classe média que foram desalojados pela guerra. Mas a utilização dessas ferramentas não se limita a eles; elas também são usadas por imigrantes da África e do Oriente Médio até Afeganistão e Paquistão.

Traficantes humanos anunciam os seus serviços no Facebook como qualquer agência de viagens legítima, com fotografias atualizadas das cidades de destino e ofertas generosas.

No grupo de Facebook chamado Tráfico para a Europa, em árabe, um traficante oferece um desconto de 50% para crianças com menos de cinco anos. O valor de 1.700 euros (US$ 1.900) pela viagem de Istambul a Thessaloniki, na Grécia, inclui trajetos de carro até perto da fronteira e a partir dela, e uma caminhada de duas horas para atravessá-la.

"Temos carros saindo todos os dias”, vangloria-se o traficante. Um usuário perguntava se havia um desconto-família para vários passageiros. E no caso de alguém duvidar da veracidade da oferta, o post tem 39 "curtidas".

O grupo Tráfico para a Europa, com 6.057 membros, é apenas um pequeno exemplo de todo um novo mundo disponível nas mídias sociais para sírios e outros migrantes fazerem a perigosa viagem para a Europa.

Os sírios são ajudados ao longo de sua jornada por grupos em árabe no Facebook como "Entrar Ilegalmente na UE", com 23.953 membros, e "Como Emigrar para a Europa", com 39.304.

As discussões são tanto públicas quanto privadas, exigindo um convite de um administrador do grupo. Os migrantes compartilham fotos e vídeos de suas viagens tiradas por seus smartphones.

Os grupos são utilizados amplamente tanto por aqueles que viajam sozinhos quanto com traficantes – de fato, a facilidade e autonomia que os aplicativos fornecem podem estar tirando trabalho dos traficantes.

"Neste momento, os traficantes estão perdendo trabalho porque as pessoas estão indo sozinhas, graças ao Facebook", diz Mohamed Ali Haj, 38, que trabalha para Agência Adventista de Assistência e Desenvolvimento em Belgrado, capital da Sérvia, uma escala importante para os migrantes.

Originalmente da Síria, Ali morou em Belgrado por três anos, ajudando migrantes e ouvindo suas histórias. No início, disse ele, a maioria dos migrantes que atravessava a Sérvia pagava traficantes para fazer a maior parte da jornada ou toda ela.

Mas à medida que dezenas de milhares fizeram a viagem, eles compartilharam suas experiências nas mídias sociais, até mesmo as coordenadas precisas de GPS de cada parada ao longo de suas rotas, gravadas automaticamente por alguns smartphones.

Para aqueles que viajam hoje, os preços cobrados pelos traficantes caíram para cerca da metade desde o início do conflito, diz Ali.

A única parte da viagem pela qual a maioria dos migrantes ainda paga os traficantes, segundo ele, é a travessia da Turquia para a Grécia. Muitos imigrantes agora se sentem capazes de fazer o resto da viagem por conta própria, com um smartphone equipado com GPS e sem pagar os traficantes.

Ali observou a popularidade de grupos no Facebook como "Entre na Europa sozinho sem um traficante". "Os sírios não são idiotas", disse ele.

Aljasem, que estava no parque, disse que manteve contato com seus 21 irmãos em cinco países através do WhatsApp, que exige apenas uma conexão com a Internet. Seu grupo privado de mensagens se chama “Nossa Família”.

Para outros, os celulares são um arquivo de conexões ainda mais profundas.

Shadad Alhassan, 39, disse que "perdeu tudo", quando sua casa foi bombardeada em Damasco, onde ele trabalhava instalando conversores elétricos em um arranha-céu em construção.

"Minha mulher morreu no bombardeio", disse ele. "Agora não tenho nada além de meus dois filhos", disse ele. Ele indicou Wassem, 10, e Nazih, 9, sentados ao seu lado num saco de dormir sobre a terra do parque.

Seu smartphone ainda armazena as fotos digitais, sua única ligação com a vida que vivia antes.

Tradução: Eloise De Vylder