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Na esteira de massacre, homem que matou gay em NY pega prisão perpétua

Elliot Morales provocou e matou Mark Carson, um homem negro gay, em 2013 - Bryan R. Smith/The New York Times
Elliot Morales provocou e matou Mark Carson, um homem negro gay, em 2013 Imagem: Bryan R. Smith/The New York Times

Noah Remnick

Em Nova York (EUA)

16/06/2016 06h00

Apenas dias após o tiroteio em massa em uma boate gay na Flórida, o juiz em um caso de homicídio com agravante de crime de ódio em Nova York citou o massacre na terça-feira (14), ao sentenciar um homem à prisão perpétua, sem direito a liberdade condicional antes do cumprimento de 40 anos. 

O réu, Elliot Morales, 36 anos, foi condenado em março pela morte em um crime de ódio de Mark Carson, um homem negro gay, no bairro de West Village de Manhattan há três anos, após fazer várias ofensas homofóbicas à vítima e seu companheiro. 

"Não posso deixar de perceber ou observar uma tragédia paralela em Orlando", disse o juiz, A. Kirke Bartley Jr., ao impor a sentença na Suprema Corte estadual de Manhattan. "Esse paralelo é revelado no ódio, desprezo próprio, medo e morte." 

Morales foi condenado após um julgamento que durou duas semanas, no qual representou a si mesmo, assumindo o papel duplo de réu e advogado de defesa. Dirigindo-se a Morales, Bartley disse que a habilidade do réu de parecer "calmo, inteligente, bem preparado e bem comportado" não afasta o fato de também parecer "algo digno de um personagem de romance de Stephen King; resumindo, um monstro". 

"Sr. Morales, o seu é um legado de morte e medo, nada mais, nada menos", disse o juiz. 

Olhando para uma plateia de expressão impassível de familiares e amigos de Carson, Morales insistiu que a morte não foi nem motivada por preconceito e nem proposital. "O que aconteceu foi um acidente trágico", ele disse. "Não foi nem um pouco motivado por minhas posições sobre o relacionamento sexual de alguém." 

Então, voltando-se ao juiz, ele acrescentou: "Está além da minha compreensão como alguém como eu, um bissexual que faz parte da comunidade LGBT, pode ser falsamente acusado e então condenado por crime de ódio". 

Os jurados deliberaram por dois dias antes de rejeitar a alegação de Morales de que seus relacionamentos íntimos com mulheres transgênero provavam que ele não é homofóbico e que não matou Carson, 32 anos, por ódio aos gays. 

Em vez disso, os jurados viram o comportamento de Morales naquela noite como ressaltando esse preconceito. 

Antes de seu encontro fatal com Carson, em maio de 2013, Morales invadiu o restaurante Annisa, na Barrow Street, gritando ofensas antigay e empunhando uma arma, depois que um funcionário do restaurante o repreendeu por urinar na calçada. 

Morales ficou enfurecido e logo viu Carson e Danny Robinson, um par de amigos do Brooklyn, vestindo shorts e tops. Morales provocou os dois, os chamando de "lutadores gays" e "bichas". Os amigos reagiram ao tom de Morales e o confronto se deslocou para o lado de uma livraria fechada. Lá, Morales sacou o revólver e atirou no rosto de Carson enquanto Robinson chamava a polícia. 

Morales fracassou com frequência em oferecer explicações para suas ações. Após fugir da cena do crime, ele disse aos policiais que o prenderam que atirou em Carson "porque ele tentou agredi-lo". Em um vídeo gravado durante sua prisão, que Bartley descreveu como "assustador", Morales ria maniacamente e exclamava: "Diagnóstico, morto, doutor!" 

No julgamento, Morales alegou que agiu em defesa própria, com medo de que o telefone que Robinson pegou fosse uma arma. Os promotores contestaram essa noção, dizendo que Morales agiu por "preconceito" e "fúria injustificada", não por medo. 

Morales argumentou que o disparo foi "mais imprudente do que intencional" e, então em uma denúncia inexplicável, insinuou que os socorristas atenderam Carson de forma errada, provocando sua morte. 

O júri não aceitou nenhuma dessas justificativas e o promotor público de Manhattan, Cyrus R. Vance Jr., elogiou a sentença dura. 

"Qualquer vida perdida para violência por armas de fogo é uma tragédia para nossa cidade", disse Vance em uma declaração. "Mas incidentes homofóbicos, alimentados por ódio, como este, são particularmente inaceitáveis. Enquanto lamentamos as vidas perdidas em Orlando, permanecemos comprometidos em fazer tudo ao nosso alcance para combater e prevenir crimes contra os nova-iorquinos LGBT." 

O FBI relatou em 2015 que 18,6%  dos 5.462 chamados crimes de ódio no ano anterior envolveram a orientação sexual da vítima, com 47% atribuídos à raça. Um estudo pela Coalizão Nacional de Programas Antiviolência mostra que 24 assassinatos de pessoas gays, lésbicas, bissexuais e transgênero, assim como de portadores do HIV, foram relatados em 2015, um aumento de 20% em comparação ao ano anterior. Mas seus advogados há muito argumentam que esses números estão abaixo da realidade. 

Shannon Lucey, a promotora titular, descreveu Morales no tribunal como tendo "problemas de aversão própria". Ela notou que apesar dele ter tido relacionamentos sexuais com pessoas transgênero, ele nunca apareceu com essas pessoas em público. Ver Robinson e Carter juntos, argumentou Lucey, pode ter provocado desconforto em Morales com sua própria sexualidade. 

Após o veredicto ter sido dado em março, um jurado disse que as ações de Morales naquela noite mostraram que "ele estava categorizando as pessoas", de uma forma que expôs seu preconceito contra os gays e que culminou com a morte de Carson. 

Ainda assim, para muitos, a decisão forneceu pouco consolo. 

"Às vezes um caso criminal dá às pessoas uma sensação de encerramento, mas o que aconteceu em Orlando apenas ofusca tudo no momento, e pode continuar assim por muito tempo", disse Donna Lieberman, diretora executiva da União pelas Liberdades Civis de Nova York.

Robinson não pôde estar presente para ouvir a sentença ser proferida, mas ofereceu uma declaração dizendo: "A culpa de ter lhe pedido para sair comigo naquela noite faz com que sinta que foi minha culpa". 

Do lado de fora do tribunal, Florine Bumpars, uma tia de Carson, falou em meio às lágrimas enquanto condenava Morales. "Ele teve o que merece", disse Bumpars. "Se lamentasse, nunca o teria feito."

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