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Uganda tenta internar dissidente em instituição psiquiátrica

10.abr.2017 - A ativista e acadêmica Stella Nyanzi (esq) durante seu julgamento em Kampala (Uganda) - Gael Grilhot/AFP
10.abr.2017 - A ativista e acadêmica Stella Nyanzi (esq) durante seu julgamento em Kampala (Uganda) Imagem: Gael Grilhot/AFP

Kimiko De Freytas Tamura

15/04/2017 04h01

Em Uganda, criticar o presidente pode não ser somente ilegal. Isso pode ser usado também como prova de insanidade.

O governo do presidente Yoweri Museveni, ainda no poder 31 anos depois de inicialmente ser uma grande esperança para a democracia africana, costuma intimidar dissidentes e jornalistas. Transmissões ao vivo de manifestações são proibidas, e as mídias sociais são bloqueadas durante as eleições que já são bastante problemáticas. E quanto mais tempo Museveni se agarra ao poder, mais ele parece querer controlar a dissidência.

O procurador-geral de Uganda tentou esta semana reprimir ainda mais a dissidência com uma lei da era colonial, usada no passado pelos britânicos para esmagar a resistência africana, para internar uma proeminente crítica do presidente em uma instituição psiquiátrica.

Foi somente a segunda vez na história recente que essa lei, a Lei de Tratamento Mental de 1938, foi invocada em um caso sobre liberdade de expressão, de acordo com os advogados. O primeiro envolvia um estudante que foi levado à força diversas vezes a um hospital psiquiátrico depois de satirizar o presidente nas mídias sociais.

Desta vez, Stella Nyanzi, que até recentemente era uma pesquisadora convidada na Universidade de Makerere, na capital Kampala, foi acusada na segunda-feira de “ciber-assédio” e “comunicação ofensiva” após uma série de postagens no Facebook neste ano, em especial uma na qual ela descrevia Museveni como um “par de nádegas”.

Além das acusações, o procurador do Estado Jonathan Muwaganya, um advogado com formação nos Estados Unidos, submeteu um pedido para internar Nyanzi em um hospital psiquiátrico por duas semanas para que os médicos pudessem “determinar” sua saúde mental.

3.nov.2013- O presidente de Uganda, Yoweri Museveni, observa o eclipse solar parcial em uma escola em Pakwach, na Uganda, neste domingo (3) - Ronald Kaabubi/AP - Ronald Kaabubi/AP
3.nov.2013 - O presidente de Uganda, Yoweri Museveni, observa o eclipse solar parcial em uma escola em Pakwach
Imagem: Ronald Kaabubi/AP

“Chamar uma renomada pesquisadora de insana por exercer um direito legítimo de protesto e de liberdade de expressão é em si insano”, disse em uma entrevista por telefone o advogado de Nyanzi, Nicholas Opiyo.

O caso de Nyanzi causou revolta generalizada no país, que se orgulha de sua sociedade civil vibrante mas está ficando cada vez mais frustrado com as tendências despóticas de Museveni, uma mudança radical em relação aos seus primeiros anos, quando ele restaurou a estabilidade política após os horrores de Idi Amin e prometeu não permanecer no poder além do tempo.

Um proeminente jornalista que manifestou seu apoio a Nyanzi nas mídias sociais foi abduzido na semana passada por agressores não identificados, levado a um local secreto e interrogado durante horas.

No ano passado, um general do Exército que havia reclamado da duração de Museveni no cargo foi preso prontamente. Várias pessoas foram presas em 2015 por postarem comentários críticos no Facebook e subirem fotos retratando o presidente como se estivesse morto.

As postagens de Nyanzi no Facebook contêm vitupérios repletos de palavrões sobre o presidente e sua mulher (que Nyanzi descreve como tendo um “cérebro minúsculo’' do tamanho de um órgão sexual), bem como estudos acadêmicos sobre “Grosseria Radical” e a “Necessidade da Vulgaridade Política”, táticas políticas que os ugandenses usaram no passado para resistir ao imperialismo britânico.

“Conheçam nossa rica história antes de pensarem que sou a primeira combatente com palavras”, escreveu Nyanzi em uma postagem.

Mas, na semana passada, as autoridades resolveram dar um basta.

20.mai.2013 - Funcionários do jornal Daily Monitor tapam a boca durante protesto em Kampala, na Uganda, contra o fechamento do periódico após determinação do governo. A polícia invadiu o jornal independente e o desativou por causa da publicação de uma matéria sobre uma suposta conspiração para abafar as acusações de que o presidente Yoweri Museveni estaria preparando seu filho para poder - James Akena/Reuters - James Akena/Reuters
20.mai.2013 - Funcionários do jornal "Daily Monitor" tapam a boca durante protesto em Kampala, na Uganda, contra o fechamento do periódico após determinação do governo
Imagem: James Akena/Reuters

As forças de segurança detiveram Nyanzi na sexta-feira enquanto ela saía de um evento do Rotary Club em Kampala, a capital, onde ela havia dado uma palestra sobre o fornecimento de absorventes higiênicos para alunas de escolas, um assunto sobre o qual ela discutiu publicamente com a mulher de Museveni, Janet, que é ministra da Educação.

Nyanzi foi detida por 18 horas e espancada, disse Opiyo, seu advogado. Quando por fim ele recebeu autorização para vê-la, segundo ele, “as roupas dela haviam sido rasgadas, e embora ela estivesse menstruada, não lhe deram absorventes”.

“Deixaram-na sangrando”, ele acrescentou.

Muwaganya, o procurador do Estado que apresentou o pedido para internar Nyanzi em um hospital psiquiátrico, disse, de acordo com relatos locais: “Dra. Stella Nyanzi tem um impacto direto sobre a decadência moral deste país”. Ele disse que ela tinha um histórico de problemas psiquiátricos e havia sido paciente do Hospital Butabika, uma instituição de saúde mental.

Nyanzi, 43, foi insolente no tribunal. “Quantas vezes Museveni ofendeu os ugandenses?”, ela perguntou, diante de um tribunal lotado. “Estou disposta a assumir o pretexto da insanidade se o regime ouvir pela primeira vez como ele ofendeu os ugandenses. Sim, Vossa Excelência, escrevi muito sobre aqueles que nos governam, sobre o nepotismo. No entanto, não sou culpada de comunicação ofensiva.”

Seu caso foi abraçado pelas mídias sociais, e sua hashtag #FreeStellaNyanzi (liberte Stella Nyanzi) foi parar nos trending topics do Twitter, na terça-feira. Ativistas postaram mensagens no Twitter sobre as condições sob as quais ela estava sendo detida na prisão de Luzira. Shawn Mubiru, um membro do Great Lakes Institute for Strategic Studies em Kampala, postou que dois psiquiatras homens haviam sido vistos na prisão e afirmou que Nyanzi teria dito que ela estava sendo pressionada contra a parede “para ceder”.

Nyanzi foi acusada de escrever posts que “perturbavam a paz, a tranquilidade ou o direito de privacidade de sua excelência, o presidente de Uganda Yoweri Kaguta Museveni, sem intenções de uma comunicação legítima”. O “The Daily Monitor”, um jornal ugandense, chamou Nyanzi de “vulgar” por fazer suas críticas políticas de forma tão pessoal.

A organização de direitos humanos Anistia Internacional divulgou um comunicado criticando o caso contra ela, alegando que ele teria motivação política. “Prender Nyanzi simplesmente por criticar o presidente e sua mulher não serve a nenhum propósito legítimo”, dizia o comunicado. “Ele deveria parar de gastar recursos em processos inúteis e de motivação política.”

Opiyo, advogado de Nyanzi, disse que quanto mais tempo Museveni permanecia no poder, mais intolerante ele se tornava. “Esse é o custo da longevidade no poder”, ele disse, “e da tentativa de reter esse poder contra um descontentamento popular neste país”.