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O que as pistas deixadas pelo suspeito do ataque em NY podem dizer sobre ligações com o EI

Sayfullo Habibullaevic Saipov, uzbeque de 29 anos identificado como suspeito do atentado em Nova York - Reprodução /CBS News
Sayfullo Habibullaevic Saipov, uzbeque de 29 anos identificado como suspeito do atentado em Nova York Imagem: Reprodução /CBS News

Rukmini Callimachi

Em Nova York

03/11/2017 16h27

Mais de dois dias depois de o motorista de uma caminhonete ter atropelado pedestres em uma ciclovia na parte baixa de Manhattan, surgiram pelo menos quatro pistas que mostram a extensão da radicalização do suspeito, Sayfullo Saipov.

Embora ainda não esteja claro se o suspeito tinha contato com o grupo terrorista ou era orientado por ele, alguns papeis e dois celulares encontrados na cena do crime dão uma ideia sobre sua familiaridade com a terminologia do Estado Islâmico (EI).

Invocar um lema

A poucos metros de onde a caminhonete parou na tarde da última terça-feira, a polícia encontrou papeis com uma mensagem escrita em árabe e inglês: “Ele persistirá”. Eram palavras em referência ao Estado Islâmico, de acordo com a queixa-crime contra Saipov.

A frase é familiar para seguidores do grupo. Em todo o território que o Estado Islâmico costumava controlar no Iraque e na Síria, ele deixava uma palavra em árabe: “baqiya”. Ela aparecia em outdoors e era pichada em prédios tomados por ele. Em qualquer casa antes ocupada por um dos emires do grupo terrorista, você encontrará o termo rabiscado em caneta nas paredes.

É possível encontrá-la até mesmo entalhada nas carteiras que eles usavam, como adolescentes que gravam suas iniciais em uma mesa de piquenique.

A palavra significa “permanecer” ou “persistir”, e é o lema do grupo terrorista desde que ele ainda era um braço da Al-Qaeda.

Um membro de alto escalão da polícia que foi informado sobre a investigação do ataque em Nova York disse que a frase aparecia mais de uma vez no bilhete. “Tem alguma coisa no começo e depois a frase ‘O Estado Islâmico persistirá para sempre’ ou ‘durará para sempre’, três vezes, em árabe”, ele disse, falando sob anonimato devido ao estágio da investigação.

Passo a passo

A revista do Estado Islâmico, “Rumiyah”, deu orientações detalhadas sobre ataques com caminhões em uma edição publicada em novembro de 2016. O grupo incentivava seus seguidores a continuarem avançando com o veículo o quanto conseguissem.

“Para garantir a maior carnificina possível dos inimigos de Alá, é essencial que não se saia do veículo durante o ataque. Na verdade deve-se permanecer dentro dele, passando por cima dos kuffar” (infiéis) já mortos, “e continuar esmagando seus corpos até que se torne fisicamente impossível continuar dirigindo”.

No ataque de Nova York, o suspeito foi atropelando pessoas na ciclovia até bater em um ônibus escolar.


De acordo com a revista, o agressor deve sair do veículo e usar uma arma secundária, como uma pistola ou uma faca. O agressor de Nova York fez exatamente isso: ele pulou para fora do veículo com uma arma de pressão, embora não pareça ter ferido ninguém com ela. Contudo, é possível que ele também tenha intencionado usar uma faca. A queixa-crime descreve que uma bolsa preta contendo três facas foi encontrada perto de Saipov depois que ele foi baleado.

No entanto, dentre as instruções mais obscuras, está a maneira como o agressor deve contar ao público sobre sua lealdade ao Estado Islâmico. O artigo afirma que o agressor deve escrever uma mensagem em várias folhas de papel, jogando-as pela janela do veículo enquanto o ataque está sendo executado. A revista sugere a inclusão da frase: “O Estado Islâmico permanecerá”, uma versão do lema do grupo (baqiya).

Os papeis do agressor de Nova York foram encontrados a cerca de 3 metros do banco do motorista do carro, segundo a queixa-crime.

Juramento gravado

No celular do agressor, encontrado na cena do crime, os investigadores acharam várias fotos de Abu Bakr al-Baghdadi, o autoproclamado califa do Estado Islâmico.

Os recrutas aprendem que, antes de um ataque, um juramento de lealdade deve ser gravado. Ele pode ser escrito ou gravado em áudio ou vídeo, mas a promessa deve ser dirigida a um indivíduo, neste caso o califa do Estado Islâmico, e não à organização como um todo.

O intuito desse ritual é recriar a forma como os primeiros muçulmanos juravam lealdade ao profeta Maomé, e depois aos califas que o sucederam, disse Amarnath Amarasingam, um pesquisador sênior do think tank Institute for Strategic Dialogue.

Os recrutas do Estado Islâmico se referem a Al-Baghdadi como o Emir Al-Mumineem, um nome honorário que significa comandante dos fiéis, e eles costumam usar uma versão longa de seu nome: “Abu Bakr al-Baghdadi al-Husseini al-Qurayshi”.

O último termo, “Al-Quraishi”, é uma referência à tribo do profeta Maomé. Uma das regras para se escolher um califa é que ele deve descender da linhagem do profeta. Recrutas que usam essa terminologia estão fazendo uma referência a essa história.

Esses termos podem ser ouvidos nas primeiras frases do juramento de lealdade de Anis Amri, divulgado depois que o imigrante tunisiano usou um caminhão para atropelar os frequentadores de uma feira de Natal em Berlim em dezembro do ano passado, matando 12 pessoas.

Embora Saipov tivesse fotos de Al-Baghdadi em seu celular e tenha dito aos investigadores que começou a planejar seu ataque depois de ouvir uma das gravações de áudio do líder, segundo as autoridades, ele não parece ter jurado lealdade dessa maneira formal. Isso pode caracterizar alguém que se auto-radicalizou e não foi treinado online, pelo menos não de forma significativa, por recrutadores do Estado Islâmico.

Propaganda através de canais fechados

Ao mesmo tempo, o que teria sido encontrado no celular do agressor sugere que ele pode ter tido acesso aos chats secretos do Estado Islâmico no aplicativo Telegram. Era nesses chats, conhecidos como “canais”, que os seguidores do Estado Islâmico se reuniam e postavam reivindicações pelos ataques, além de compartilhar vídeos, inclusive de execuções.

Com tantas ações judiciais abertas contra empresas de mídias sociais pelas famílias das vítimas de ataques recentes do Estado Islâmico, os vídeos do grupo costumam ser suspensos poucas horas depois de serem postados no YouTube, no Twitter ou no Facebook.

O grupo passou a procurar cada vez mais canais fechados para compartilhar informações.

Entre os vídeos que teriam sido encontrados pelos investigadores no celular de Saipov estava um dos clipes mais perturbadores do grupo, que mostrava as execuções grotescas de prisioneiros forçados a usar macacões laranja, como na prisão americana na Baía de Guantánamo.

Vídeo mostra tentativa de fuga de suspeito de ataque em NY

UOL Notícias

Embora versões editadas dessas execuções possam ser encontradas em sites de notícias, a gravação completa que mostra as mortes não fica prontamente acessível na rede aberta.

O fato de o suspeito supostamente ter esses vídeos, bem como milhares de imagens de propaganda do Estado Islâmico, sugere que ele pode ter tido acesso aos canais do grupo no Telegram.

Esses canais não podem ser buscados fora do Telegram, e só podem ser acessados com um código de verificação do Telegram. Um indivíduo que receba acesso aos chats provavelmente foi convidado por alguém que tenha compartilhado o código.

Esses canais incluem tutoriais online sobre como executar os ataques. O canal Lone Lions, por exemplo, costuma postar demonstrações passo a passo que mostram como fabricar triperóxido de triacetona, ou TATP, o composto explosivo usado em quase todos os ataques do Estado Islâmico no Ocidente, inclusive em Paris, Bruxelas e Manchester, na Inglaterra. Esses canais servem ainda como pontos de encontro digitais, onde o EI identifica possíveis novos recrutas.

Diversos ataques nos últimos três anos foram executados por recrutas que fizeram contato com agentes do Estado Islâmico pelo aplicativo Telegram, e depois migraram para conversas individuais criptografadas.

Assim como qualquer outro aplicativo, o Telegram pode ser deletado de um celular. A queixa-crime não diz se os investigadores encontraram o aplicativo nos dois celulares que o suspeito deixou na cena do crime ou se ele apagou os rastros digitais que o ligariam ao Estado Islâmico.

* Com reportagem de Al Baker em Nova York.