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11/06/2008 - 00h02

Por que é melhor dar empréstimos para as mulheres

El País
Natalia Junquera
Ajudar mais a mulher dá melhores resultados, e a Espanha aderiu a essa doutrina com vontade de liderar a cooperação de gênero. Três décadas depois, a intuição de Muhammad Yunus, o homem que decidiu que 95% dos beneficiários de seu banco para pobres seriam mulheres, se transformou em um princípio universal que rege as políticas de ajuda ao desenvolvimento de organismos como a ONU ou o Banco Mundial: "Elas são melhores lutadoras contra a pobreza que os homens", afirma Yunus. A descoberta lhe valeu um Prêmio Nobel da Paz (2006) e a possibilidade de dizer, 30 anos depois, que conseguiu tirar da pobreza 6 milhões de pessoas.

"São as mais pobres entre os pobres. E estão desesperadas para cuidar adequadamente de seus filhos. Os homens não estão ao lado dos filhos em tempos de crise. Elas sim. Têm mais razões para sair da pobreza, seus filhos", afirma Yunus.

Sete em cada dez pessoas que têm fome atualmente no mundo são mulheres, segundo a ONU. Elas realizam mais de dois terços do trabalho não-remunerado, isto é, o equivalente a US$ 11 bilhões, segundo o Pnud, mas só recebem 10% das receitas e possuem 1% dos meios de produção. São as mais afetadas pela pobreza e ao mesmo tempo as que têm mais possibilidades de combatê-la, porque acima de tudo são administradores do lar, as que cuidam do bem-estar dos filhos, futuras gerações de pobres e analfabetos... ou não.

Jack Guez/AFP - 27.mai.2007 
Mulheres palestinas trabalham em confecção de roupas em Al-Aqaba

Quando Yunus implementou em 1976, com apenas US$ 27, sua idéia do banco para pobres, observou que a primeira coisa que as mulheres de Bangladesh faziam quando tinham renda era recuperar seus filhos das casas dos ricos onde os haviam deixado trabalhando em troca de comida. A segunda coisa era enviá-los para o colégio.

"A igualdade entre homens e mulheres é um fator fundamental para lutar de forma eficaz e sustentável contra a pobreza", diz a Declaração de Objetivos do Milênio da ONU. A Espanha pretende defender esse novo enfoque da ajuda ao desenvolvimento. A vice-primeira-ministra María Teresa Fernández de la Vega anunciou no terceiro Encontro Hispano-Africano de Mulheres que a Espanha promoverá a criação de um fundo de gênero na ONU para financiar políticas de igualdade. Nesta legislatura, o governo espanhol aumentou em 400% a cooperação destinada a mulheres e a Espanha já é o terceiro doador de microcréditos do mundo, atrás do Banco Mundial e da Alemanha.

"Elas são sempre as mais vulneráveis entre os vulneráveis. Mas, além disso, são a alavanca de mudança na maioria de países porque sua luta é pelos direitos de todos. São o motor do desenvolvimento porque delas dependem a alimentação e a educação de seus filhos. Não entendemos o desenvolvimento de um país sem igualdade de oportunidades. Por isso nos comprometemos a terminar a legislatura destinando 15% da ajuda ao desenvolvimento às mulheres. Já somos o primeiro doador da Unifem [Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher]", explica a secretária de Estado de Cooperação, Leire Pajín.

"Em quase todas as culturas as mulheres, especialmente as pobres, são cidadãs de segunda classe. Esse é o poder do microcrédito: põe o poder em forma de dinheiro diretamente nas mãos das mulheres", explica Sam Daley-Harris, diretor de um movimento de microfinanciamento do qual se beneficiaram 100 milhões de famílias pobres em todo o mundo.

"Quando o empréstimo entra em uma família através da mulher, os benefícios vão diretamente para o bem-estar de toda a família: as crianças vão para o colégio, comem melhor, o telhado é consertado... Quando se trata de um homem, há muitas possibilidades de que acabe em bebida", acrescentou Daley-Harris. A mesma tese é defendida por Rosahneh Zafar, discípula de Yunus e presidente da Fundação Kashf (milagre) de Bangladesh, com 260 mil beneficiárias de microcréditos: "Se uma mulher ganha um dólar, gasta 70% em sua família. Um homem lhe dedica 30%".

Zafar e Daley-Harris participaram na semana passada em Madri de uma conferência internacional sobre microcréditos organizada por Casa África e Casa Ásia no CaixaForum, que reuniu os sete responsáveis pelas entidades microfinanceiras mais importantes do mundo. Entre os sete, já tiraram da pobreza dezenas de milhões de pessoas -dezenas de milhões de milagres.

"Um dia o marido de Perveen não agüentou a pressão de ser incapaz de alimentar sua mulher e seus quatro filhos e se suicidou. Perveen percebeu que tinha duas opções: aceitar a caridade de seus vizinhos e depender para sempre dos outros, ou pedir um empréstimo e agir. Escolheu a segunda. Nunca tinha saído de casa. Hoje tem um negócio com o qual viaja constantemente e seus filhos recebem educação", lembra Zafar sobre uma cliente.

Mas a fórmula enfrenta o pior desafio de sua história: a alta do preço dos alimentos. "Se em cinco anos tiramos da pobreza 50 milhões de pessoas através de microcréditos, agora 25 milhões voltarão a ser pobres porque o preço de sua matéria-prima triplicou e suas receitas, não", lamentou Zafar. Yunus também não está otimista: "É muito grave. Representa uma pressão enorme sobre os mutuários, porque suas receitas aumentam pouco a pouco, mas o preço dos alimentos sobe muito rápido. Mas o pior é que não é algo passageiro".

A Espanha destina mais de 62% dos empréstimos do Fundo de Concessão de Microcréditos a mulheres. Muitas delas sozinhas. "Em Madagascar, por exemplo, muitos maridos foram embora e elas estão endividadas pela usura, que cobra juros de 100% ou 200%. Com os microcréditos, com pagamentos fracionados e pequenos, podem comprar arroz e fazer pastéis, vendê-los, aumentar suas receitas, incorporar os filhos à microempresa e poupar", explica Beatriz Morant, responsável pela área da África, Ásia e Europa do Leste da Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (Aecid). "No Marrocos investimos 45 milhões de euros em microcréditos e as mulheres geraram mais do dobro com sua atividade." Do outro lado do telefone, Nezha Ouardi, uma das marroquinas beneficiadas, confirma: "Me deram 500 euros para montar um negócio de artesanato. Agora alguns de meus produtos são vendidos por 400. Consegui ajudar meus seis irmãos".

"O índice de inatividade nas mulheres é praticamente inexistente, porque a vida de seus filhos está em jogo. Eu vi um grupo levar adiante um povoado inteiro montando um negócio de venda de xampu", afirma Pilar Gómez-Acebo, presidente de honra da Federação de Mulheres Empresárias, envolvida em projetos de cooperação de gênero.

A garantia de êxito, segundo Manuel Cadarso, conselheiro técnico de microcréditos da Aecid, é que se trata de "uma cadeia de esforços": "O governo espanhol faz um esforço destinando fundos que em qualquer outro mercado obteriam maior rentabilidade. E a mulher que recebe o microcrédito faz um esforço maior para levar seu negócio em frente e conseguir devolvê-lo".

Guadalupe Ruiz, 40 anos, nascida em Chiapas, México, nunca pensou que ganharia mais que seu marido. Há um ano nem mesmo trabalhava. Ela e sua filha de 13 anos mal viviam com os 5 mil pesos (cerca de 300 euros) que ele, motorista, ganhava por mês. "Uma amiga que havia montado um negócio de venda de sapatos me falou sobre os microcréditos. Comecei com um de 5 mil pesos e acabam de me dar um de 20 mil [1.250 euros]. Montei um pequeno negócio de venda de roupas. Melhorei minha casa, paguei as dívidas de um terreno e acabo de ter um bebê. Nunca havia tido poupança!"

A Unicreich, entidade que concedeu o microcrédito a Guadalupe, administra 1 milhão de euros de cooperação espanhola para microcrédito em Chiapas, que tem 85% das beneficiárias mulheres. "Têm um baixo nível cultural, 10% não sabem ler nem escrever e muitas estão sós porque aqui há muita deserção familiar, por causa da imigração e principalmente problemas de violência familiar, alcoolismo...", explica Isabel Camacho, diretora da entidade.

No México, a Fundação Interamericana, financiada pelo governo dos EUA, vai implementar um projeto para ajudar mulheres cujos maridos emigraram em busca de uma vida melhor, deixando-as e a seus filhos à mercê de remessas nem sempre pontuais. "No início as recebem freqüentemente, mas depois começam a rarear. Muitas vezes seus maridos formam uma segunda família no país de imigração. Nosso projeto quer lhes oferecer apoio psicológico e ajuda para que montem microempresas e tenham suas próprias receitas", explica Marcy Kelly, responsável pela fundação no México.

O microcrédito é, entre as fórmulas de ajuda de cooperação de gênero, provavelmente a mais satisfatória. Os resultados aparecem em curto prazo e com muito pouco se costuma conseguir muito. A parte mais difícil e também a mais difusa é o que se batizou de "empoderamento" [do inglês "empowerment"] das mulheres. No caso da Espanha, apoiando associações femininas locais como Las Dignas; em El Salvador, contra a violência machista; "assessorando o governo peruano na elaboração de um plano de igualdade de oportunidades", explica Itziar González, diretora do escritório técnico de cooperação em Lima; ou favorecendo programas de saúde reprodutiva e planejamento familiar na África e na América Central.

Este último capítulo é chave. Nos países ricos o índice de natalidade é de "substituição", quer dizer, dois filhos. Nos países mais pobres chega a cinco ou mais, o que produz uma enorme pressão sobre os recursos alimentares, impede a nutrição adequada e a educação dos filhos e definitivamente cria uma nova geração ainda mais pobre. Jeffrey Sachs, o economista que percorreu o mundo assessorando economias em crise, chama isso de "armadilha demográfica". A armadilha que mergulha os países pobres em uma pobreza cada vez mais profunda.

Mas implantar esses programas não é fácil, conforme o país. "Esse trabalho deve partir da consciência que as próprias mulheres têm de seus direitos em cada país, para que não seja uma ingerência cultural", explica Juana Bengoa, porta-voz de gênero da Coordenadora de ONG de Desenvolvimento. De la Vega se declarou horrorizada depois de se hospedar com um homem e suas três mulheres no Níger. Mas o texto e o propósito do encontro, a Declaração de Niamey, foi assinada sem uma só palavra de condenação à poligamia.

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