Ideia de excluir alimentos do cálculo do IPCA é uma estupidez
Técnicos do governo defenderam a exclusão dos alimentos no cálculo do IPCA. A ideia, que teria a simpatia da equipe econômica, tornaria o índice mais realista. Essa estupidez foi relatada no jornal O Globo, em 23 de abril.
Os “técnicos” alegam que os produtos alimentícios estão sujeitos a choques frequentes causados por problemas climáticos, o que justificaria expurgá-los do índice. Justificam que nos Estados Unidos os alimentos não constam do índice oficial de inflação. Conseguiram acrescentar ignorância à estupidez.
Sabe-se, desde muitos anos, que os preços dos alimentos e da energia – depois da crise do petróleo – estão sujeitos a choques. Tendem a ser muito voláteis. Por isso, calcula-se o núcleo dos índices de preços, excluindo os itens sujeitos a volatilidade.
Os núcleos têm utilidade especialmente para a política monetária, pois são constituídos de itens mais suscetíveis à influência de elevações da taxa de juros e de seus efeitos na demanda. O mesmo não se dá com alimentos e energia. Os núcleos permitem à autoridade monetária identificar a verdadeira tendência inflacionária.
Estatísticas dos núcleos dos índices existem nos Estados Unidos, no Brasil e em grande número de outros países. Aqui, o Banco Central divulga mensalmente três tipos de núcleo. Todos excluem alimentos. Portanto, ao contrário do que disseram os “técnicos”, os alimentos não são excluídos do índice oficial de inflação, mas de seu núcleo.
Nenhum índice oficial de inflação pode excluir bens e serviços de seu cômputo. Seria uma manipulação idiota, rapidamente percebida em países dotados de boas instituições – como já é o caso do Brasil – e de uma imprensa atenta, livre e independente (o que também temos por aqui, felizmente).
Uma ideia semelhante à dos “técnicos” foi defendida pelo Ministério da Fazenda em 1986, quando o Plano Cruzado fracassava. O ministro de então afirmava que cigarros não deveriam constar do índice de preços, pois vícios não mereceriam esse registro.
O IBGE recebeu uma ordem para expurgar os cigarros do IPCA, mas reagiu criando dois índices: um IPCA verdadeiro, e outro expurgado. Poucos prestaram atenção ao índice da Fazenda. Como dizia Marx, a história ora se repete como farsa.
Um dos argumentos utilizados pelos “técnicos” é risível: “Se você vai ao mercado e vê o tomate caro, você pode substituir por outra coisa. A gente faz isso com o morango. Ninguém come morango o tempo todo”.
Que patacoada! Essa realidade – que se aplica a quase todos os produtos – já foi percebida há muito tempo pelas organizações que levantam índices de preços. Muitas delas adotam pesos sazonalmente modificados somente para produtos sujeitos a choques frequentes. Sabem que podem ser substituídos quando seus preços aumentam muito.
Além disso, os produtos têm o peso aumentado no índice quando seus preços sobem muito. Assim, quando caem, a influência na queda do índice também é significativa. Tudo indica que os gênios da manipulação do IPCA desconhecem essa tecnicalidade.
O fato de existir volatilidade em preços que integram o índice é a justificativa básica do intervalo de tolerância na meta para a inflação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, que é de dois pontos percentuais para cima e para baixo.
Preferiu-se adotar esse intervalo enorme justamente para se evitar as desconfianças que adviriam do uso de índices com algum tipo de ajuste.
Esses “técnicos” do governo não apenas desconhecem a história. Defendem ideias malucas que refletem imenso despreparo para o exercício de cargos no governo federal. Felizmente, o país dispõe de “alarmes de incêndio” que são acionados em face dessas iniciativas.
Não corremos o risco de ver a ideia aceita; se for aceita, de ela prosperar. Caso prospere, vai ferir de morte, definitivamente, a credibilidade residual da área econômica, com inequívocas consequências políticas e eleitorais.
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