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Dados de homicídios de jovens no país não constrangem sociedade

Especial para o UOL

18/06/2014 06h00

Meu trabalho no AfroReggae começou em 1993. Naquele tempo eu era um jovem com sonhos e uma enorme urgência de poder ver cada um deles realizados. Sabia que queria construir um trabalho social de referência, sabia que era possível, que podia e tinha capacidade, mas não sabia como poderia fazer.

Eu era muito jovem, tinha meus sonhos e minhas urgências, mas o que tive naqueles tempos foi a sorte de conseguir gente para me apoiar, me estimular e para dizer "vá em frente", e até mesmo gente para, vez ou outra, eu poder procurar e dizer que estava com meus problemas e não estava conseguindo resolvê-los.

Não me sentia sozinho mergulhado em um mundo complicado de se entender. Tive gente como Waly Salomão e Lorenzo Zanetti, por exemplo, que estavam sempre por perto para darem dicas e se, por acaso, eu fosse muito próximo ao abismo, davam um jeito de estenderem suas mãos.

A galera de hoje não é diferente. O pulso deles é forte como o meu em 1993. Os sonhos existem, a vontade e a urgência de conseguirem construir suas vidas é real, mas eles estão sem uma mão especial para, que na hora que se aproximem do abismo, não caiam.



E não dá para ser qualquer mão. Tem que ser uma mão que entenda o movimento e o momento do jovem. É da natureza da idade chegar bem próximo ao abismo. Esse risco cria adrenalina, o mistério cria expectativa, mas o limite do abismo é que começa a ser o problema.

Há muitos jovens caindo no abismo do tráfico, das drogas e do roubo pois, quando se aproximaram do abismo, não tiveram uma mão para segurar firme e evitar a queda.

Tenho a certeza de que hoje a sociedade olha para os jovens, sobretudo negros, pobres e favelados e, de certa forma, lava as mãos e deixa que prossigam em direção às suas quedas, sem uma preocupação real e humana de que podemos e devemos apoiar esses jovens e dar suporte a eles.

Os dados sobre homicídios de jovens no Brasil nos envergonham, mas não constrangem a sociedade a ir para a beira do abismo e erguer um cinturão de proteção.

A grande maioria dos presos brasileiros tem, no máximo, 25 anos e está vivendo sua fase mais criativa encarcerada em cadeias que são um verdadeiro filme de terror.



As crianças, adolescentes e jovens estão largando a escola e todo mundo está cuidando de suas vidas, sem perceber que cada dia mais o número de jovens que chegam perto do abismo é maior.

O Brasil precisa ter um compromisso social com seus jovens. Os brasileiros precisam garantir proteção ao jovem, sem querer cortar sonhos e aventuras, e ter a generosidade de estar por perto quando um deles for em direção ao abismo, não para criticar ou para punir, mas para conversar sobre outro caminho possível.

O dia a dia do AfroReggae e o meu  circulam em abismos perigosos, em situações difíceis, em histórias pesadas, mas nós vamos lá, pois o que bate na nossa alma é uma enorme vontade de salvar gente que desde que nasceu não conheceu oportunidades, chances ou  teve a possibilidade de achar que podia sonhar com um mundo diferente.

Trabalhar no AfroReggae é, sem dúvida nenhuma, estar próximo dos abismos e não ter qualquer restrição de estender a mão e dizer para o jovem que ele pode ter outra história, e que nós queremos e vamos estar ao lado dele para reescrever esta história.

Nestes 21 anos de trabalho, já estive em abismos difíceis. Já salvei muitos da morte, do crime e da violência, mas isso só foi possível pois também fui salvo de quedas lá no passado.

Estou convidando vocês a virem para o AfroReggae, os abismos não param de crescer e está faltando gente para ajudar. E é muito triste perder jovens que caem por falta de apoio, ajuda e compreensão.

Este convite é para já. Pense e aceite. Sua vida vai ser bem diferente quando você descobrir que também pode ser uma mão nos abismos que não param de sugar brasileiros.

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