Topo

Influência do papa é insuficiente para resolver conflitos no Oriente Médio

Especial para o UOL

19/06/2014 06h00

O começo do mês foi marcado por um encontro histórico e pouco usual. Diante do convite feito pelo líder máximo da Igreja Católica, o papa Francisco, os presidentes de Israel e da Autoridade Nacional Palestina – respectivamente, Shimon Peres e Mahmoud Abbas – se reuniram no Vaticano para buscar uma solução para o complexo conflito entre judeus e palestinos na região do Oriente Médio.

Desde que assumiu a liderança dos católicos, o papa vem dando claras demonstrações de seu pendor por profundas reformas não só no interior de sua igreja, como também sobre as questões que transcendem seus muros e afetam a paz e a estabilidade ao redor do globo.

Nesse sentido, se firma como uma importante liderança em um momento no qual sofremos uma séria carência de figuras que reúnam o carisma e a possibilidade de ação, capazes de realizar mudanças importantes. Contudo, cabe questionar: qual o real raio de ação do pontífice e que prerrogativas ele teria neste caso?

Para responder a estas questões, vale lembrar que as relações mais intensas entre cristãos, judeus e muçulmanos remontam ao início da Idade Média, alternando-se entre períodos de profunda cooperação e de graves enfrentamentos entre as três religiões do livro.

Neste período, o cisma entre os cristãos católicos e ortodoxos acabou por distanciar os primeiros de contatos mais intensos com as outras duas grandes denominações religiosas, com a exceção do episódio da reconquista da península ibérica. 

Desta forma, o conflito entre judeus e muçulmanos tornou-se algo distante do Ocidente até que as investidas coloniais intensificaram os contatos das potências europeias com o Oriente Médio, convertido em palco de divisões de mandados europeus até princípios do século 20.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, marcada pelo horror do holocausto, a ONU (Organização das Nações Unidas) – fortemente identificada e liderada pelos países ocidentais - tomou para si a responsabilidade de administrar as demandas de judeus e árabes, ambos dotados de argumentos religiosos que justificavam, desde o fim do século 19, a posse da chamada “Terra Santa”.

A partir de então, com a criação do Estado de Israel em 1948 e os seguidos conflitos decorrentes de suas relações com os árabes da Palestina e de países vizinhos, o aprofundamento das animosidades tem sido acompanhado de perto pelo Ocidente, o qual tem buscado repetidamente utilizar seu poderio militar, econômico e de influência para estabelecer negociações de paz na região.

O último grande esforço foram os Acordos de Oslo (1993), em que o então presidente dos EUA, Bill Clinton, mediou conversas entre as lideranças israelenses e palestinas à época, representadas, respectivamente, por Yitzhak Rabin e Yasser Arafat. No entanto, o descumprimento dos termos pelas duas partes e o assassinato de Rabin impediram que o processo tivesse continuidade.

O mote do encontro é que a interrupção desse diálogo – retomado apenas em breves períodos sem resultados concretos, inclusive pelo atual presidente Barack Obama – possa ter fim com os esforços de Francisco.

Sua influência, contudo, mostra-se bastante limitada. Hoje, o poder papal é apenas simbólico e não goza junto aos judeus e muçulmanos da mesma popularidade que possui em países de maioria cristã.

Além disso, as autoridades presentes, apesar de grande prestígio em suas respectivas comunidades, estão longe de constituírem uma unanimidade. Peres - já com idade bastante avançada e prestes a deixar a presidência israelense - é considerado extremamente condescendente com os judeus, sendo criticado inclusive pelo atual primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

Já Abbas, sustentado pelo respeito à figura de seu antecessor Arafat, tem sido obrigado a dividir o poder com o Hamas, um partido de posições e métodos muito mais radicais que seu tradicional Fatah.

Assim, o líder dos católicos pode ter promovido um bonito ato ecumênico na Santa Sé, mas a complexidade da questão e os ressentimentos abertos por décadas de conflito não serão resolvidos apenas com sua boa vontade e seu carisma, sendo que sua resolução constitui muito mais uma questão de fé do que uma perspectiva plausível para um futuro próximo.

Por outro lado, não devemos deixar de nutrir a esperança de que a força advinda de um ato religioso de tamanha envergadura, seja qual for nossa confissão, possa nos provar que estamos errados. Como dizem cristãos, judeus e muçulmanos através dos séculos: “amém” - que assim seja!

  • O texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
  • Para enviar seu artigo, escreva para uolopiniao@uol.com.br