Minhocão é um desastre urbanístico, mas é impossível fechá-lo agora
Existe consenso entre os paulistanos de que a construção do Minhocão foi um desastre urbanístico. Planejado no período da ditadura, na administração biônica de Paulo Maluf (1969-1971), o elevado se insere na lógica urbana do século 20, que privilegiava o automóvel e a construção de vias expressas e alternativas viárias.
As consequências foram trágicas, embora o elevado cumpra um papel relevante no sistema viário da cidade. A tradicional avenida São João, uma imponente artéria da cidade, teve sua concepção urbanística destruída.
Os baixos do elevado se deterioraram, desvalorizando o comércio e os imóveis. O impacto ambiental - como ruído e poluição - sobre os edifícios do entorno foi estrondoso, gerando uma área degradada e o abandono de inúmeros moradores originais.
Desde sua concepção, a proposta de um elevado, que faz parte da ligação leste-oeste, gerou muita polêmica. Idealizado na segunda metade da década de 1960 pelo prefeito Faria Lima, foi engavetado devido à reação negativa. Predominou a visão de que era uma obra que causaria um impacto extremamente negativo na paisagem urbana, e que alternativas viárias para a necessária ligação leste-oeste poderiam ser estudadas.
Em 1969, quando o Ato Institucional nº 5 suprimiu as liberdades políticas, de expressão e de imprensa, Paulo Maluf decidiu iniciar a obra em ritmo acelerado. Inaugurada em 1971, foi batizada simbolicamente de Elevado Artur da Costa e Silva, em uma homenagem ao segundo presidente da ditadura militar.
Desde então, se busca alternativas para enfrentar esse desastre urbanístico, ambiental e paisagístico. Em 1989, por iniciativa da prefeita Luiza Erundina, o Minhocão – nome pelo qual, carinhosamente, a população passou a chamar o elevado – determinou seu fechamento à noite e no domingo, medida que reduziu os graves problemas de saúde e desconforto aos moradores do entorno. Aos poucos, o elevado passou a ser utilizado pela população da cidade como uma área de recreação, esporte e lazer.
Com seu fechamento, mesmo em horários limitados, o Minhocão teve seu significado revisto. Sem carros, a estrutura de 2,8 km se transformou em uma grande área de lazer, liberada para pedestres e ciclistas, e em um espaço de sociabilidade para a população, ainda que sem nenhuma adaptação ou infraestrutura.
Essa ocupação do espaço público gerou tanta adesão e interesse para os usuários, que surgiu um movimento para transformar o minhocão em um parque permanente, o Parque Minhocão. No processo de debate do Plano Diretor, recebi como relator um abaixo-assinado com mais de cinco mil assinaturas defendendo essa proposta.
Futuro do elevado
O que fazer com o Minhocão é uma questão polêmica, que divide opiniões de modo apaixonado. Muitos querem sua transformação em parque. Outros sonham com sua demolição, e ainda existem os que defendem que tudo deve ficar como está. Em plena democracia, o Plano Diretor de São Paulo, realizado através de um amplo processo participativo, não poderia tomar qualquer decisão definitiva sobre o futuro do Minhocão sem um amplo debate com a sociedade. Não estamos mais na ditadura.
Por isso, propusemos no substitutivo do Plano Diretor um texto genérico que determina que uma “lei específica deverá determinar a gradual restrição ao transporte individual motorizado no elevado definindo prazos até sua completa desativação como via de tráfego, sua demolição ou transformação parcial ou integral em parque”. Lei específica significa audiências públicas, debate e pactuação na Câmara Municipal. É isso que precisamos fazer no próximo período.
Não há dúvida que não é possível desativar o tráfego no Minhocão imediatamente. Pode-se, a curto prazo, ampliar o horário de restrição ao tráfego. E, aos poucos, à medida em que avança a ampliação da rede estrutural de transporte coletivo (novas linhas de metrô e de BRT) e o estímulo à mobilidade não motorizada - garantindo uma menor dependência da população em relação ao uso do automóvel - pode se propor um processo gradativo de desativação do elevado viário sem causar um caos no trânsito.
As ideias resultantes do concurso realizado em 2006 pela prefeitura para o Minhocão precisam ser reavaliadas à luz das propostas estruturadoras aprovadas no Plano Diretor e das apresentadas pelos movimentos que atuam na região. Nenhuma possibilidade deve, a princípio, ser descartada, mas analisada em um processo sereno e racional, no qual se medem custos, benefícios e impactos.
No caso de uma demolição, total ou parcial, uma questão a ser considerada é o impacto ambiental e o custo, mesmo considerando a possibilidade de reaproveitamento dos resíduos, ou ainda a reutilização em outras obras das vigas pré-fabricadas utilizadas na sua construção.
Já no caso da transformação em parque, deve-se avaliar as diretrizes do projeto, as regras do seu uso e as responsabilidades pela sua manutenção e segurança. E, em qualquer situação, as consequências na mobilidade urbana.
Soluções híbridas, como demolição parcial e criação de uma área de lazer em parte do elevado podem ser consideradas, articuladas com uma renovação e reabilitação urbanística da região. O que é inaceitável é a demolição para dar lugar a um túnel milionário, como ocorreu no caso da Perimetral, no Rio de Janeiro.
No passado, os moradores do entorno, que sofrem com os transtornos causados pela poluição sonora e atmosférica dos veículos motorizados, foram a favor da restrição à circulação de carros à noite.
Hoje, precisam ser ouvidos da mesma forma que os que frequentam o local nos fins de semana, os que utilizam a via para transporte e a população da cidade de uma maneira geral. É isso que o Plano Diretor propôs, de modo coerente com suas diretrizes de priorizar o transporte coletivo e não motorizado, de racionalizar o uso do automóvel e de requalificar o espaço urbano.
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