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Divisão do país e tribalismo devem dar lugar a projetos compartilhados

Especial para o UOL

04/11/2014 06h00

Uma semana se passou, mas para muitos ainda parece ressaca. As eleições deixaram um gosto amargo de agressividade, preconceito e mau humor nas mídias sociais. Mas se o segundo turno foi uma batalha ácida que tentou dividir o Brasil por linhas geográficas e de prosperidade, uma recente pesquisa feita pela Avaaz pode indicar o caminho para uma democracia mais sólida e inclusiva.

Colocamos um estetoscópio no coração de 80 mil brasileiros e escutamos suas esperanças, sonhos e desejos para o próximo mandato presidencial. As respostas dadas por jovens e velhos, ricos e pobres, eleitores do PSDB, do PT e de todos os outros partidos mostraram o horizonte para quem assume o poder.

A educação apareceu no topo das prioridades elencadas por quem respondeu a pesquisa. Especificamente, pedem que o treinamento e o salário dos professores sejam melhorados. Um levantamento mundial recente revelou que o salário de educadores brasileiros é em média US$ 20 mil por ano abaixo da média da OCDE (Organização para a Cooperação Desenvolvimento Econômico).

Naturalmente, uma mudança salarial não resolverá todos os problemas da educação, mas é passo certo na direção de melhores profissionais. Uma rápida olhada nos rankings internacionais nos mostra que países como a Finlândia – que sempre figura no topo – investem muito em salários competitivos e treinamento de educadores. Eleitores de Dilma e Aécio certamente preferem confiar a educação das crianças a profissionais motivados e qualificados.

A segunda prioridade escolhida pelos participantes da pesquisa foi a saúde. As pessoas querem o fim da loteria geográfica que deixa áreas mais remotas sem atendimento médico. Enquanto cidades como São Paulo têm um médico a cada 239 habitantes, áreas isoladas da Amazônia precisam se virar com uma razão de 1 a cada 8944.

Esses não são apenas números, são vidas. Um médico a cada 1000 habitantes é expectativa razoável e faz justiça a um país tão grande e desigual.

A terceira demanda reflete o descontentamento com o sistema eleitoral. Os participantes exigem o fim das doações de empresas a partidos políticos para que eleições não sejam leilões. Nestas eleições, por exemplo, cerca de 95% de todas as doações feitas às campanhas vieram de empresas – metade saíram dos cofres de apenas 19 companhias.

Seria ingênuo pensar que empresas abrem mão de milhões por pura generosidade: elas investem e esperam retorno. Projetos como o da Ficha Limpa devem ser vistos como um prefácio da reforma política que se espera ver aprovada nos primeiros meses do próximo mandato.

Além de demandas específicas, a pesquisa evidencia como se transformaram as expectativas dos eleitores. No rastro das manifestações de junho do ano passado ficou o anseio por mudanças e por mais e melhores políticas públicas.

A força das ruas não vai desaparecer. Quando fomos juntos, pacificamente, mostrar a força da nossa democracia, éramos todo tipo de gente, todo tipo de eleitores. Em meio às nossas diferenças, esse é o momento das demandas que nos aproximam.

Marina Silva falou sobre o abismo que existe entre a democracia com a qual sonhamos e a que nos é oferecida. A internet pode ser o fórum de deliberação onde nossos representantes escutam as expectativas das pessoas. Em vez de um ciclo a cada quatro anos, podemos criar um círculo contínuo de conversações entre os cidadãos e quem os representa.

Nós já vemos isso acontecer em Paris, onde o povo aprova orçamentos locais e nos Estados Unidos, onde as pessoas votam sobre a política de drogas. Por que a democracia participativa e direta não pode acontecer aqui também?

Nos próximos meses, ao se formar o novo governo fruto de uma das mais apertadas eleições da nossa história, temos certo que instintos de tribalismo e divisão precisam ser substituídos pelo projeto compartilhado do nosso futuro.

É preciso privilegiar novas ideias e deixar-se influenciar continuamente pela profunda sabedoria das pessoas. Enquanto o Brasil se recupera da ressaca e olha para frente, eleitores de todos os matizes trazem à mesa as prioridades que não podem ser adiadas. No "terceiro turno", nós votaremos juntos.

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