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Classe C melhorou padrão de vida mas não foi emancipada

Especial para o UOL

19/03/2015 06h00

Há um debate instalado na sociedade brasileira sobre classes médias e seu papel na vida política brasileira. O debate revela as mais contraditórias avaliações e análises.

Em termos sociológicos e de ciência política, trata-se de um conceito confuso e pouco consistente, que tenta agregar numa unidade todos os que estariam no meio e, portanto, não cabem nos conjuntos que ocupam opostos da estrutura social. Vejamos mais de perto.

A classificação socioeconômica dominante das variações da estrutura social, tomada como definidora de classes sociais no recente debate brasileiro sobre o crescimento das classes médias, tem como referência empírica central a renda e o consumo dos domicílios.

Seu objetivo primeiro não é analisar classes e mudanças sociais, mas padrões de consumo para ajustar a publicidade e as estratégias de venda a eles. Trata-se de um contínuo de A a E, do maior ao menor.

Para simplificar, são classes de renda monetária, que medem níveis de renda, mas não desigualdades de riqueza e de poder na sociedade. Aquele conjunto do meio – o C – seria das classes médias, o maior agregado de domicílios.

Que sentido isso tem? Por que olhar assim para a estrutura social? A classificação obtida é útil para avaliar mobilidade social de renda, extremamente sensível a variações na conjuntura, mas não dá conta de situações de classes sociais.

Classificar por renda permite ver que metalúrgicos da indústria automobilística e da indústria naval ou petroleiro, que têm os maiores salários, se situam numa espécie de elite trabalhadora, certamente com renda muitíssimo superior do que aquela de amplas categorias de funcionalismo público ou do ainda maior setor empregador de serviços e comércio.

Mas como considerá-los em termos de classe social? Fazem parte de um mesmo conjunto? Estar num mesmo grupo de renda diz alguma coisa em termos sociológicos e políticos?

Provavelmente nada ou muito pouco. A verdadeira análise de classes deveria considerar a mobilidade social de renda como um elemento necessário, mas insuficiente para entender o processo em que um contingente ou fração de classe se forja enquanto tal.

Para defender interesses de classes, para entender lutas de classes, é necessário que os agrupamentos se forjem como sujeitos coletivos, definam identidades sociais, organizações e bandeiras.

Posto isto, é possível reconhecer que no Brasil ocorreu um processo de grande mobilidade social de renda nos últimos anos, coisa que não se via desde os anos 70 do século passado. Trata-se de uma mudança no padrão de vida, mas não necessariamente na estrutura de classes sociais.

A integração de milhões de brasileiros ao mercado de consumo – através de criação de empregos, aumento do salário mínimo, proteção social – é uma mudança a comemorar. Mas isto não é emancipação social, processo irreversível de conquista de mudanças nas relações de classes.

Além do mais, trata-se de uma mobilidade que não tem como pressuposto mudança na estrutura social desigual, portanto mobilidade insustentável e vulnerável, como a conjuntura deste início de 2015 vem revelando, de modo trágico até, com desemprego de massa e perspectiva de perda real de uns 5% na renda.

O confuso embate entre “novas e velhas” classes médias é um fato, mas ele mesmo sem futuro, sem saída política no horizonte. Sempre os que ficam pelo meio condensam confusões e não soluções ou respostas políticas. Em síntese, o debate sobre classes médias é parte da confusão, das brumas e falta de perspectivas na conjuntura brasileira atual.

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