É preciso parar de dar desconto a grandes consumidores de água
O período de chuvas que se encerrou com a chegada do outono não foi suficiente para acabar com a grave crise hídrica que afeta a região Sudeste do país. Em São Paulo, pela primeira vez na história o Sistema Cantareira entra no período de estiagem no volume morto, em condições muito piores do que as registradas em 2014.
A situação do Sistema Alto Tietê também segue preocupante. É nítido que se vive uma crise sistêmica e não pontual, resultante de sérios problemas de gestão e não apenas do clima, e que o desafio é de longo prazo.
O custo da crise aumenta dia a dia. Restrições no acesso à água devem se manter e provavelmente se agravar, tanto para cidadãos quanto para o setor produtivo. Evidentemente, há um impacto nas contas da Sabesp, que já sofre dificuldades financeiras. A pergunta que precisamos responder é: como deve ser dividida a conta entre os diversos setores responsáveis e atingidos pela crise?
Até o momento, por decisão da própria Sabesp e do governo do Estado, quem vem pagando mais caro é a população. Além de sofrerem com longos cortes de água – que vão além do prometido pelas autoridades e chegam a superar um dia inteiro sem suprimento –, os cidadãos precisam lidar com reajustes agressivos na tarifa.
Após um aumento de 6,5% em dezembro do ano passado, a Sabesp agora planeja um novo aumento de 22,7%. Até mesmo os benefícios que vinham sido concedidos àqueles que poupam água estão sendo cancelados em diversas cidades.
Enquanto isso, a Sabesp e o governo do Estado continuam concedendo descontos progressivos a um grupo de 537 empresas e organizações que consomem mais do que 500 mil litros de água por mês. Quanto mais água esses grandes consumidores usam, menos eles pagam por litro.
Os descontos, garantidos por contratos especiais e autorizados pela agência reguladora estadual, a Arsesp, são ao mesmo tempo injustos (por beneficiarem setores de grande poder econômico enquanto a população sofre) e insustentáveis (por estimularem o uso irracional da água ao invés da economia).
Em recente visita a São Paulo, o relator das Nações Unidas para Água e Abastecimento, Leo Heller, afirmou que negar acesso à água em detrimento de outros usos, fere os Direitos Humanos. A orientação mercadológica da Sabesp faz com que as perdas da empresa sejam cobradas das famílias, o que desconfigura a Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos, que determina: “situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais”.
O fim desses descontos é um passo essencial na busca por soluções éticas e coerentes para a crise. Além disso, o Greenpeace estima que, sem os descontos, a Sabesp receberia pelo menos R$ 140 milhões a mais por ano, montante importante para superar dificuldades financeiras. É fundamental destacar que os contratos que definem os descontos contêm uma cláusula que permite sua rescisão a qualquer momento, sem nenhum custo.
Até o momento, o único argumento apresentado pela Sabesp para manter os descontos é o risco de empresas beneficiadas optarem por sair de São Paulo. Contudo, nenhum estudo comprovando esse risco foi apresentado - e não se pode crer cegamente que um número significativo de empresas transferiria toda a sua operação a outro local por conta de um aumento na conta de água. Além disso, uma razão muito mais séria para mudar de localização é a própria crise hídrica, na qual tanto Sabesp quanto governo têm grande parcela de responsabilidade.
Se queremos soluções sérias e estruturantes para superar a crise hídrica e nos levar a um novo paradigma de gestão da água, já passou da hora de acabar com os descontos que premiam desperdícios de grandes consumidores.
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