Sociedade tem direito de conhecer 'lista suja' do trabalho escravo
A escravidão foi extinta do Brasil. Pelo menos é o que declara a Lei Áurea datada de 13 de maio de 1888. Ocorre que passados 127 anos o trabalho escravo ainda está presente no país. É certo que a escravidão moderna não é mais caracterizada pelos açoites e pelas correntes.
Temos uma escravidão mais parecida com o delito de plágio dos tempos do Império Romano. Hoje, o trabalho realizado em condições análogas à de escravo acontece com a submissão do trabalhador por dívidas contraídas com o patrão, com a retenção de documentos, com a realização do trabalho em condições degradantes ou ainda com jornadas exaustivas. Retira-se deste ser humano o que lhe caracteriza: a dignidade.
Na semana em que se comemora a abolição da escravatura do Brasil, muito pouco se tem a festejar. Isto porque ainda nos defrontamos com esta odiosa prática. E mais: ao invés de as medidas de combate à escravidão moderna seguirem uma marcha avante, deparamo-nos com muitos retrocessos.
É certo que temos uma legislação reconhecida internacionalmente como avançada sobre a temática. Mas, ao mesmo tempo, houve a suspensão da divulgação da “lista suja” pelo Supremo Tribunal Federal, em uma desfavorável decisão do ministro Ricardo Lewandowski.
Para progredir no tema, o Ministério do Trabalho e Emprego editou uma nova portaria em 31 de março de 2015, com a finalidade de vencer os óbices apontados pelo ministro Lewandowski na referida decisão. A norma regulamenta o procedimento a ser seguido pelos interessados no caso de inclusão na lista de empregadores que utilizam mão de obra escrava. Não se trata de qualquer novidade, é certo, mas apenas de uma explicitação, de modo a evitar celeumas.
Ocorre que apesar da nova portaria, a divulgação da chamada “lista suja” ainda não ocorreu. E com a omissão seguimos na contramão da Constituição Federal que assegura a dignidade humana como princípio fundamental da República. Violado também está o princípio da publicidade, que é uma verdadeira conquista dos que vivem em uma democracia. É uma garantia para a sociedade saber da atuação dos órgãos públicos em situações que envolvam interesse coletivo.
Divulgar quem se utiliza de mão de obra análoga à de escravo permite que a sociedade e os agentes econômicos tomem suas decisões de maneira consciente, auxiliando o poder público no combate à escravidão moderna, seja não estabelecendo relações de consumo, seja não financiando empreendimentos, além de inibir outras pessoas físicas ou jurídicas de praticar ilícitos desta natureza.
A sociedade só tem a ganhar com a transparência representada pela “lista suja”. No entanto, enquanto os nomes estiverem protegidos do conhecimento da sociedade, desprotegidos estaremos todos nós (consumidores e empregadores que observam a legislação), vendo o dinheiro público (dinheiro de todos nós) financiar empreendimentos sem a observância de qualquer critério a respeito dos compromissos internos e externos assumidos pelo Brasil no combate ao trabalho escravo contemporâneo.
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