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Menores infratores são só a ponta da mortífera indústria das drogas

Internauta do UOL

07/06/2015 06h00

Se me permitirem uma mensagem direta sobre a redução da maioridade penal, começo a refletir do por que então não se reduz também a maioridade civil?

Da perspectiva de pesquisador em direito constitucional, não ingresso nas considerações sobre cláusula pétrea da Constituição de 1988, apenas sinalizo que são inconstitucionais as propostas de emenda constitucional com conteúdo religioso ou proselitista.

Deve-se lembrar a possibilidade de ajuizamento de Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade por parte dos Partidos Políticos, o que corresponde a um direito de defesa das minorias parlamentares. Se existe algo tendente a abolir as garantias individuais, isso se chama guerra às drogas. A redução da maioridade penal já ocorre na prática: há replicação da cultura prisional entre os adolescentes - para não dizer do destratamento estatal penitenciário - no chamado sistema de medidas socioeducativas.

Para casos pontuais, pode-se discutir como criar formas de se prevenir e gerenciar o risco de crimes violentos cometidos por adolescentes. Isso exige análise das atuais respostas aos atos infracionais, bem como de todas as políticas existentes para crianças e adolescentes no Brasil, da necessária intersetorialidade dos serviços públicos.

Isso passa pelo estabelecimento de vínculos com a criança e com o adolescente, pelo debruçar sobre situações-problema em que o desejo da lei nem sempre corresponde à lei do desejo, em que o sujeito de desejo da psicanálise precisa se encontrar com o sujeito de direitos e deveres do Estado. Mas o risco desses crimes violentos reflete, de forma geral, a omissão estatal e a falta de políticas aptas a prevenir o evento crime. E faltam avaliações das políticas em segurança pública e do sistema nacional de atendimento socioeducativo.

A proposta de redução da maioridade penal provém da mesma onda populista de enganação de que mais prisões resolveram o problema da violência. Mentira. A resposta penal que deveria ser última aparece como a primeira na fala de parlamentares despreocupados com a avaliação de políticas públicas. Por que não consultam o Tribunal de Contas da União para avaliação de impacto legislativo?

O aumento das penas de prisão ou a redução da maioridade penal consistem em fórmulas repetidas veiculadas na mídia e compõem o chamado “monstro da opinião pública” que não traduz interesse público, mas sim interesse corporativo, pois também é interesse eleitoreiro, em tempos de "videopolítica", para não dizer de "videotas".

Agora os políticos não respondem por abuso do poder político ao se valer da máquina administrativa para a promoção pessoal? Por danos oriundos de leis deformadas? Por desvio da finalidade legislativa? Por omissão estatal? Por ausência de políticas públicas? O Estado não pode ser responsabilizado por danos decorrentes de atos legislativos? Pelo racismo institucional? Pela taxa de homicídios? Deveria.

Na questão da política de drogas está cada vez mais claro que a finalidade da saúde não é atingida, o que se atinge são pessoas com balas e prisões. E morrem também agentes estatais nesta guerra. Incute-se um temor geral a gerar cada vez mais repressão e violação massiva de direitos humanos por parte de um Estado que se diz democrático e se pretende de direito. Deve-se deixar o tema para a regulação sanitária, saúde mental, atenção básica e assistência social e somente o que sobrar para a justiça criminal, e não o contrário.

Mesmo em se reduzindo a maioridade penal, o fato de jovens serem cada vez mais instrumentalizados pela economia marginal não cessará. Os jovens descartáveis estão na ponta do comércio de drogas, desse negócio transnacional, dessa indústria mortífera.

Se é para reduzir alguma coisa que se reduzam as vulnerabilidades e as discriminações a que crianças, adolescentes e jovens são sistematicamente submetidos. Afinal, 77% dos jovens assassinados no Brasil em 2012 eram negros. 

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