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Empresas começam a entender que são parte do combate à corrupção

Especial para o UOL

17/08/2016 06h00

Nunca se falou tanto em ética e compliance (empresas agirem de acordo com as normas) como nos dias de hoje. Até poucos anos atrás, ética era um campo do conhecimento exclusivo de professores e filósofos, mas hoje a palavra ética é utilizada por todos, e em quaisquer circunstâncias, para justificar decisões importantes da convivência e dos negócios. Já o termo compliance aparece cada vez mais na mídia em razão dos recentes escândalos de corrupção.

Por essa razão, poderíamos supor que seus significados sejam amplamente conhecidos. No entanto, o que se observa é uma imprecisão entre os conceitos de ética e compliance, assim como uma falta de clareza sobre o papel das empresas no combate à corrupção.

Essa dificuldade decorre, por um lado, pelo fato de o conceito de compliance ser relativamente novo no Brasil. Até há pouco tempo essa palavra estava restrita ao ambiente corporativo de setores altamente regulados, como as indústrias financeiras e de saúde, ou ainda empresas multinacionais expostas a legislações internacionais anticorrupção, como a lei americana FCPA (Foreign Corrupt Practices Act) e a lei do Reino Unido UK Bribery Act. Mesmo nesses casos, o uso do termo compliance no Brasil estava limitado aos profissionais das áreas ligadas a questões regulatórias e advogados com uma formação bastante específica.

Em síntese, o termo compliance tem origem no verbo em inglês to comply, que significa agir de acordo com a lei, uma instrução interna, um comando ou um pedido, ou seja, estar em compliance é estar em conformidade com as regras e as normas jurídicas. Para isso, a empresa precisa implementar um programa que englobe esses aspectos e que permita aos colaboradores, fornecedores, clientes e a comunidade interagirem de forma ética e transparente com a empresa no esquadro da lei.

Ética no mundo antigo

Agir na forma da lei talvez seja mais fácil deduzir, mas o que significa agir de forma ética? Não é uma tarefa simples conceituar essa palavra, que teve diferentes interpretações ao longo da evolução do pensamento ocidental, e, por essa razão, é necessário resgatar em um voo panorâmico o seu alcance ao longo da história.

O primeiro sentido proposto para a palavra ética surge na Grécia antiga em torno de 350 a.C, sendo Aristóteles o seu maior expoente. Oportuno registrar que o conceito aristotélico de ética nada tem a ver com aquilo que lemos ou conhecemos como ética no mundo moderno. Para Aristóteles, a ética é a avaliação da vida como um todo, uma reflexão sobre toda uma trajetória de vida. Prova disso é que em sua obra “Ética a Nicômaco”, Aristóteles sugere que a verdadeira análise ética de uma pessoa só poderia acontecer depois de sua morte.

Pois bem, se no conceito aristotélico a ética é a avaliação da vida como um todo, então a pergunta natural que surge é: O que uma vida precisa ter para ser considerada boa? Na esteira dessa perspectiva, a resposta grega é o pleno desabrochar das próprias potências de uma pessoa, o que Aristóteles chamou de virtude, entendida como a conversão em performance de um talento através da disciplina e do hábito.

Esse conceito de ética partia da concepção de que vivíamos em um mundo finito e ordenado chamado de cosmos. E neste mundo teríamos uma função pré-estabelecida, pois, assim como os elementos da natureza seriam parte da mecânica de um todo, o homem também teria uma finalidade determinada, de acordo com os seus próprios talentos, de modo que buscar a excelência desses talentos seria a verdadeira razão ética –que, de certa forma, se confundia com o conceito grego de felicidade.

O conceito aristotélico de ética passa por duas grandes rupturas ao longo da história da filosofia. A primeira, com o pensamento cristão no qual o outro passa a ganhar destaque acompanhado de um conceito de igualdade, que não existia no mundo grego. Vale lembrar que, para Aristóteles, a pior forma de desigualdade é tentar fazer duas coisas diferentes iguais.

Em outras palavras, na hierarquia de valores gregos, aquele que fosse mais sábio era mais importante que o menos sábio, e este, no cumprimento de sua função cósmica, tinha obrigação de servir o primeiro para manter certa harmonia, fundamento pelo qual Aristóteles defendia em “Ética a Nicômaco” a escravidão. Esse entendimento iria se contrapor aos princípios de igualdade perante a Deus e de amar ao próximo como a si mesmo, presentes no pensamento cristão.

Outra grande ruptura aos inventores da palavra ética nasce com as descobertas científicas de Copérnico, Galileu e Newton, através das quais aprendemos que, diferentemente do pensamento antigo, o universo não é finito e ordenado. Mas qual a consequência dessa descoberta sob o aspecto ético? Que a ética passaria a ser um caminho para encontrar soluções de convivência sem o cosmos, ou seja, sem uma referência, mas a partir da nossa própria deliberação e da nossa própria inteligência. Então, a ética, longe de ser uma tabela de certo e errado, deixa de ser o sentido de uma vida para ser o sentido de condutas isoladas, sendo, portanto, o esforço da razão para encontrar as melhores formas de convivência.

Melhores formas de agir

Então, se no mundo moderno a ética passa a ser uma reflexão de como devemos agir, a pergunta decorrente é: Qual a melhor conduta? A primeira proposição moderna sobre o que uma conduta precisa ter para ser boa é o que a filosofia nomeia como consequencialista, e o mundo do capital, como ética de resultado. Sob esse ângulo, o que uma conduta precisa ter para ser boa é simplesmente produzir bons resultados. Como patrono deste pensamento temos um consultor político ainda muito influente, o pensador florentino Nicolau Maquiavel.

Ora, se a melhor conduta é aquela que produz o melhor resultado, então qual o critério para o melhor resultado? Para responder essa questão, duas grandes estruturas de pensamento surgem. A primeira corrente é conhecida como pragmatismo e sustentará que a melhor conduta é aquela pela qual atingimos os resultados planejados. Logo, ninguém poderia dizer que agiu mal se atingiu os resultados que planejou.

A segunda corrente, conhecida como utilitarismo e capitaneada pelo pensador inglês John Stuart Mill, sustentou que o melhor resultado é aquele que proporciona felicidade para o maior número de pessoas. No mundo contemporâneo essas duas correntes consequencialistas se encontram na dialética empresarial entre a busca pelo lucro (pragmatismo) versus a responsabilidade social (utilitarismo).

Ao longo da história do pensamento, o conceito ético consequencialista enfrenta duras críticas por considerar que nem sempre quando atingimos os resultados que almejamos proporcionamos a melhor convivência. E a partir dessa reflexão nasce uma nova maneira de pensar a ética, que a filosofia chamou de ética de princípios –cujo grande nome de referência é o pensador alemão Immanuel Kant. Ao construir o conceito de boa vontade, Kant rompe o último paradigma moderno e defende que o valor da conduta não está nos seus resultados, mas na própria conduta. Em outras palavras, a conduta deve valer pela própria conduta.

Compliance x estratégia

Nesse compasso, um programa de compliance para que seja efetivo precisa atribuir valor à conduta da empresa em sua atuação no mercado. A prática corporativa da reflexão antes da ação, acompanhada da ponderação entre os interesses individuais e os coletivos, são a materialização de um agir com ética no mundo empresarial. De nada adianta construir um “código de ética” baseado em integridade e transparência ao mesmo tempo em que um dos valores da empresa é o foco em resultado.

Ora, se o foco está no resultado, a atenção não está na conduta. De nada adianta ter como valor a honestidade se a métrica para aferir os resultados de seus executivos pressupõe metas que para ser atingidas demandariam ações ilegais ou antiéticas.

Um programa de compliance é um sistema complexo e organizado de procedimentos que deve ser coerente com a estratégia da empresa. Além disso, deve contar com o efetivo comprometimento de sua liderança para disseminar um ambiente de integridade, bem como prevenir, detectar e corrigir atos não condizentes com os princípios da empresa.

Assim, a sociedade começa a perceber que o resultado pragmático do lucro não é exclusivamente a medida de um bom negócio. O novo desafio está em criar lucro fundamentado em boas práticas e com transparência.

Ao mesmo tempo, as empresas começam a compreender que são parte da solução para o combate à corrupção. Além de ser nociva para todos, as sanções decorrentes de práticas de corrupção não representam apenas significativos riscos legais e financeiros, mas valores como ética e integridade passam a ter real valor de mercado e, sem esses valores, talvez as empresas não mais sobrevivam diante de uma nova cultura empresarial que está sendo debatida em todo o mundo.

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