Terapia com répteis ajuda crianças com transtornos, mas é preciso cautela
A jiboia rasteja pelo corpo de Gabriel Souza, 14, que tem paralisia cerebral. Ela passa pelo seu rosto, enquanto a fonoaudióloga faz exercícios para ajudá-lo a aperfeiçoar a sua mastigação. A cena é capaz de causar estranhamento, mas o pai de Gabriel, o aposentado Mário Souza, assegura que a terapia tem surtido efeito.
A jiboia é um dos animais que integram a terapia feita com répteis oferecida pela ONG Walking Equoterapia, pioneira nesse tipo de tratamento no Brasil. A organização estudou o método por dois anos e firmou uma parceria com a SOS Ambiental, que cede os animais utilizados nas sessões -- todos eles certificados pelo Ibama (Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). A técnica é administrada em diversos tipos de transtornos e deficiências, sejam eles de ordem motora ou cognitiva, com o objetivo de melhorar a capacidade de atenção, o raciocínio e o convívio social.
Além da cobra, os profissionais também utilizam os lagartos teiú e iguana e um jacaré do papo amarelo nas sessões com as crianças. Cada animal é escolhido de acordo com o perfil dos meninos e meninas e o objetivo a ser alcançado com o tratamento.
No caso de Gabriel, além de ajudá-lo a relaxar e treinar as suas funções musculares, o contato com os animais o deixa mais atento ao que se passa ao seu redor, segundo o seu pai. “Ele conseguiu observar bem os bichos, querendo se aproximar, sentir. Isso foi um fator muito positivo para ele”, afirmou Mário Souza.
Leonardo Jardim, 8, conta com a ajuda do seu "réptil favorito", uma iguana, para aperfeiçoar sua capacidade de concentração e convívio social. A mãe dele, a dona de casa Ivani Jardim, conta que no começo ficou desconfiada com a novidade, mas logo se habituou. “A coisa que mais me dá orgulho é ver que ele está prestando atenção nas coisas que estão acontecendo ao redor dele, uma coisa que não alcançava antes”, diz, citando as conquistas do filho com a ajuda dos répteis.
Segundo a fonoaudióloga Andrea Ribeiro, uma das responsáveis pela terapia, os resultados são bastante perceptíveis e mudanças no comportamento e nas funções musculares dos pacientes são notadas após as primeiras sessões, logo depois dos encontros de adaptação com os animais. “Aos poucos eu fui descobrindo com os próprios resultados apresentados aqui com os pacientes os benefícios (da terapia)”, afirma.
O biólogo da SOS Ambiental Diego Sanchez afirma que a terapia ajuda a sensibilizar as crianças também para as propostas ambientais. "Além de contribuir com as melhorias na saúde e na vida destas crianças, a proximidade com os répteis ajuda também a reforçar a importância de preservar muitas das espécies que utilizamos na terapia", diz o biólogo, responsável por manejar os animais nas sessões e fazer o trabalho de adaptação.
A pediatra da Beneficência Portuguesa Wylma Hossaka, no entanto, afirma nunca ter ouvido falar no uso de répteis como terapia animal assistida para crianças com problemas motores e cognitivos e diz que é preciso ter cautela na hora de recomendá-la. “Alguns pacientes podem demonstrar que estão sendo beneficiados pela terapia, mas esses benefícios ainda não são compreendidos cientificamente, assim como o seu grau de segurança. O médico, seja o pediatra ou neurologista da criança, precisa ser consultado para saber se no caso específico daquela criança, ela seria beneficiada, pois o profissional que a acompanha é o único apto a indicar a terapia”, afirma.
Wylma Hossaka conta, no entanto, que existem estudos científicos que comprovam a eficácia da terapia feita com cães e cavalos. “Já tive notícia até de terapias feitas com golfinhos”, diz. Segundo ela, cães e cavalos têm uma forte capacidade de interação e de gerar afeto. “A gente vê que o animal consegue despertar esse senso de afeto até em crianças que têm autismo. Os cães, por exemplo, conseguem alcançar uma área na criança com autismo em que nós não conseguimos chegar”, diz.
Ela conta ainda que, por atingir o sistema emocional, esse contato também beneficia pacientes com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade). “Não é um brinquedo, um desenho num papel, é um animal cuja capacidade de interação estimula ao mesmo tempo várias áreas do cérebro da criança”, explica.
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