Topo

SUS terá de se reinventar com a chegada de novos medicamentos contra Aids

Efe
Imagem: Efe

Henrique Contreiras*

Da Agência Aids

12/04/2015 06h00

O Sistema Único de Saúde (SUS) está se adaptando à grande mudança que o campo do HIV sofreu nos últimos quatro anos. O grande desafio é reorganizar o atendimento e incluir os soronegativos sob risco. A prevenção, que antes se limitava a métodos comportamentais como o preservativo, agora contará cada vez mais com remédios. A nova estratégia é chamada de prevenção combinada.

Dos três métodos preventivos medicamentosos que emergem, um é antigo, mas nunca emplacou no Brasil, sendo pouco usado por aqui. É a profilaxia pós-exposição (PEP, do inglês post-exposure prophylaxis), o coquetel que deve ser tomado de emergência logo após uma situação de risco.

O segundo método é, digamos, uma releitura: o Tratamento como Prevenção (TcP). Em 2011, provou-se que tratar o soropositivo impede que ele transmita o vírus.

Se antes o objetivo do tratamento era melhorar a saúde do portador, agora é também proteger seus parceiros. A consequência prática do TcP foi que em muitos países o coquetel passou a ser recomendado assim que a pessoa descobre ter o vírus, mesmo que esteja saudável. No Brasil, o Ministério da Saúde aderiu à medida em 2013.

O terceiro método é inovador. A profilaxia pré-exposição (PrEP, do inglês pre-exposure prophylaxis) consiste no uso contínuo de um coquetel com menos remédios por pessoas soronegativas que estejam sob alto risco de se infectar.

A PrEP já está em uso nos Estados Unidos desde 2012 e foi endossada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2014.

No Brasil, está em avaliação por meio de uma pesquisa conduzida em conjunto pela Fundação Oswaldo Cruz, USP (Universidade de São Paulo) e o Centro de Referência e Treinamento em aids do Estado de São Paulo (CRT).

Nova frente de atendimento

Um dos desafios, portanto, é ampliar o uso da PEP – um método que qualquer brasileiro sexualmente ativo pode um dia precisar. A PEP demorou a ser liberada no país e ainda hoje seu uso no SUS é restrito e elitizado.

Com o advento da prevenção combinada, porém, o método ganha destaque. E não só no Brasil – a OMS, que restringia a PEP a estupros, mudou de posição em dezembro último.

Depois de anos de oferta restrita e má divulgação, gestores do SUS passam a valorizar a PEP. Os protocolos de atendimento estão passando por revisão em Brasília e a tendência é que se aumente sua disponibilidade nas emergências. O Ministério da Saúde também já está investindo em pesquisas sobre o método.

Mas o que vai exigir mais criatividade e ousadia dos gestores é mesmo a PrEP.

A chegada da PrEP no SUS significa a abertura de uma nova frente de atendimento – o acompanhamento regular de soronegativos com maior risco de se infectar. Homens bissexuais, gays, mulheres trans e profissionais do sexo são considerados grupos preferenciais para o método por conta do maior risco de aquisição no caso de uma exposição.

Denize Lotufo, médica infectologista do CRT, disse: “Por enquanto, só temos PrEP para gays, pela pesquisa. Mas queremos também oferecer para héteros que têm exposições repetidas”.

Pesquisa no CRT mostrou que 11% usaram a PEP mais de uma vez. “No uso repetido, seria mais lógico fazer PrEP”.

Para Alexandre Grangeiro, pesquisador da USP, “os serviços de saúde estão muito pouco preparados para programas de suporte contínuo a essas populações mais expostas”.

De fato, a relação da pessoa vulnerável com o SUS sempre foi pontual – um exame aqui, um aconselhamento ali, às vezes uma PEP. Até que se infecta e ganha uma matrícula num posto de HIV. Mas poderia ser diferente – o serviço poderia acompanhar essas pessoas, discutindo a minimização de seu risco e intervindo sobre fatores sociais e psicológicos envolvidos.

Agora, com a PrEP, que exige consultas médicas trimestrais e exames, terá que se criar um serviço para soronegativos sob risco, o que pode ser a oportunidade para um trabalho mais amplo. Críticos do entusiasmo com a PrEP temem que a intervenção se reduza ao remédio.

Segundo Denize, ainda não há consenso sobre como será este novo serviço: “não vamos colocar o soronegativo para ser atendido no ambulatório de HIV, que é o lugar dos soropositivos. Estamos avaliando qual seria o local. Tradicionalmente, o lugar do soronegativo é o Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA), que teria de se reinventar”.

Denize prevê dificuldades. “O nosso serviço atende 6.000 pessoas com HIV. É uma doença crônica, as pessoas estão vivendo e entram novas. Tem serviço na cidade de São Paulo em que há falta de profissional. Está difícil atender os positivos, imagina os negativos”.

Casais de positivo com negativo

O Tratamento como Prevenção (TcP) também traz o soronegativo para o SUS – aquele que tem um parceiro soropositivo. Grangeiro discute as implicações do TcP para o atendimento a esses casais, chamados sorodiscordantes.

“Antes, o parceiro negativo aparecia na hora que precisava de PEP. Isso deve diminuir. Temos que começar a acompanhar esse negativo, fazer exames periódicos, discutir as formas de exposição, a adesão do parceiro positivo ao medicamento. Se o positivo optou por se tratar e tem a carga viral indetectável, se o casal tem um melhor gerenciamento das práticas sexuais, não tem sentido o negativo ficar usando PEP ou PrEP.”

Para Denize, um dos aspectos positivos do TcP será o estímulo a uma adesão correta à medicação. “Tomar o remédio com disciplina será também uma forma de proteger o parceiro”.

*Henrique Contreiras, médico e colaborador da Agência de Notícias da aids (henrique@agenciaaids.com.br)