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Rica em petróleo, Angola tem a pior taxa de mortalidade infantil do mundo

Crianças brincam próximo à usina de açúcar em Angola, em foto de 2014 - Divulgação Biocom/Juca Varella
Crianças brincam próximo à usina de açúcar em Angola, em foto de 2014 Imagem: Divulgação Biocom/Juca Varella

Colin McClelland e Manuel Soque

06/05/2015 15h58

 Uma lufada de desinfetante e choro irrompeu pela ala do hospital angolano onde Fernanda Afonso, de 2 anos, dormia no colo da mãe, perto de uma bolsa vazia de soro intravenoso que tinha sido usada para combater a desnutrição da criança.

Esse mesmo padecimento matou cinco dos seus irmãos quando pequenos e marca o segundo maior produtor de petróleo da África com a mais alta taxa de mortalidade infantil abaixo dos 5 anos do mundo: 167 mortes por 1.000 nascidos vivos, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância. É uma a cada seis.

"Gostaria de ir para uma clínica particular, mas como eu conseguiria pagar, se mal posso comer?", disse a mãe de Fernanda, Lourdes Afonso, 37, que vende água engarrafada nas ruas de Luanda, a capital do país, em uma entrevista no Hospital Pediátrico Bernardino.

Contar o número de crianças que não chegam a viver até o quinto aniversário é um indicador amplo do desenvolvimento social e econômico, de acordo com a Unicef. Em Angola, terceira maior economia da África Subsaariana, concessionárias Porsche e lojas Armani atendem aos membros da elite sob o governo de 35 anos do presidente José Eduardo dos Santos, enquanto dois terços da população do país moram em favelas ou assentamentos rurais empobrecidos, muitas vezes sem água encanada nem energia elétrica.

A África subsaariana abriga todos os 12 países onde mais de 10 por cento das crianças morrem antes de completar cinco anos, de acordo com a Unicef. Serra Leoa é o segundo, seguido por Chade, Somália e República Centro-Africana. A Nigéria, que possui as maiores economia e população da região, com cerca de 170 milhões de habitantes, é o quinto.

Riqueza angolana

Angola é, de longe, o mais rico entre os países africanos com as maiores taxas de mortalidade infantil, com um Produto Nacional Bruto per capita de US$ 5.170 em 2013, de acordo com o Banco Mundial. A Nigéria, que extraiu 2,1 milhões de barris de petróleo por dia em março, em comparação com os 1,84 milhão extraídos por Angola, produziu US$ 2,710 por pessoa há dois anos. Na Somália, a renda por pessoa é de apenas US$ 150. As cifras para Chade, República Centro-Africana e Serra Leoa equivalem a menos de um quinto da riqueza de Angola.

A desnutrição atrofia o crescimento e provoca cerca de metade das mortes em crianças com menos de 5 anos, de acordo com Maria Futi Tati, diretora de nutrição do Ministério da Saúde de Angola. O país quer reduzir a desnutrição crônica entre as crianças dessa faixa etária para menos de 10 por cento em uma década, disse Tati, em entrevista por telefone. As mais recentes informações do governo são de 2007 e colocam a taxa em 29 por cento, disse ela.

Cerca de 30 por cento das crianças no país do sudoeste africano estão definhando por causa da desnutrição, de acordo com uma pesquisa realizada pelo governo em 2007. Esse número poderia ser maior agora, pois há menos organizações de assistência depois que a guerra civil de 27 anos acabou em 2002, disse Fernando Trabada, agrônomo que dirige a cooperação na delegação da União Europeia em Angola, em entrevista por telefone.

Cemitério infantil

A queda de 40 por cento dos preços do petróleo desde junho obrigou Angola a cortar um quarto do orçamento neste ano e um terço dos gastos de investimento em comparação com os planos iniciais do governo em dezembro. Projeta-se que os gastos em saúde vão diminuir 15 por cento, para 270 bilhões de kwanzas (US$ 2,47 bilhões) neste ano, de acordo com o Ministério da Economia. O orçamento para 2015 designa 847 bilhões de kwanzas para defesa e segurança.

Entre os tubos intravenosos e os rostos abatidos, Afonso parecia tão exausta quanto a filha.

"Minha única filha está morrendo nesta cama e não há nada que eu possa fazer para ajudá-la", disse ela. "Isso está mais para um cemitério de crianças pobres, como minha filha".