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Sociedades médicas rejeitam pílula do câncer como suplemento: 'é camuflar'

Cecília Bastos/USP Imagens
Imagem: Cecília Bastos/USP Imagens

Lucas Rodrigues*

Do UOL, em São Paulo

02/04/2016 06h00

Após a afirmação do ministro de Ciência e Tecnologia, Celso Pansera, de que iria sugerir que a fosfoetalonamina, mais conhecida como pílula do câncer, fosse legalizada como suplemento alimentar, sociedades médicas criticaram a solução que, na visão delas, seria uma forma de "camuflar" a substância, que acabaria sendo usada como medicamento por pacientes.

"Compreendo que o ministro e o próprio legislativo estejam sofrendo uma pressão muito grande, mas liberar um remédio como suplemento alimentar é uma forma de tentar passar ao largo de toda a experimentação científica a que essa substância tem de se submeter", diz Mauro Gomes Aranha de Lima, presidente do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo).

Ainda não foram feitos testes em humanos para saber se a fosfoetalonamina sintética é eficiente no combate ao câncer, o que impede seu registro como medicamento pela Anvisa. Os primeiros resultados de pesquisas encomendadas pelo MCTI, ainda em laboratório, apontaram que a molécula não tem efeito no tratamento.

"A fosfoetalonamina sintética não passou por fases de pesquisa que são necessárias para que se tenha uma grande possibilidade de determinar a eficácia da substância e ao mesmo tempo dar segurança ao paciente, em termos dos efeitos colaterais", avalia o presidente do Cremesp.

Como a fosfoetalonamina sintética em pequenas doses não é uma substância tóxica, a aprovação dela como suplemento alimentar pela Anvisa seria mais fácil --já que não precisa provar efeitos medicinais. Assim, bastaria um laboratório pedir o registro para a agência nacional, que avaliaria apenas se ela é prejudicial à saúde. 

"Vai sair no rótulo como suplemento. Mas vão utilizar como um? Acredito que não. Liberar a substância dessa maneira é liberar o medicamento", analisa Gustavo Fernandes, presidente da SBOC (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica).

Se aprovada como suplemento, a pílula poderia ser vendida sem prescrição médica em estabelecimentos como os que vendem a famosa Whey Protein. No rótulo do suplemento, é proibida qualquer expressão que se refira ao uso para prevenir, aliviar ou tratar uma enfermidade. 

O pesquisador Marcos Vinícius de Almeida, um dos detentores da patente da fosfoetanolamina sintética, já havia comentado a possibilidade da substância ser aprovada como suplemento. 

Entidades pressionam veto à pílula do câncer

Apesar de resultados que apontam para a baixa eficiência da pílula, o Congresso aprovou no dia 22 um projeto de lei que permite o uso da substância mesmo sem registro da Anvisa por pacientes de câncer que queiram testá-lo. Dilma deve decidir se sanciona ou veta o projeto ainda na primeira quinzena de abril.

"O Senado foi populista. Liberou a substância contra todos os pareceres técnicos e todos os órgãos oficiais", analisa o presidente da SBOC.

A preocupação dos médicos é de que pacientes deixem o tratamento formal para usar a substância.

Onze entidades e pacientes enviaram na última segunda (28) um ofício à presidente Dilma Rousseff pedindo o veto ao projeto de lei. O documento é assinado pela ONG Oncoguia, pela Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama, pelo Hospital Albert Einstein e pela Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, entre outras

"É decepcionante este esforço político para aprovar algo que não tem segurança, regulamentação, nada comprovado, só estudos feitos em ratinhos. Queremos que os estudos clínicos comecem porque todos temos esperança que a fosfoetanolamina mude a vida das pessoas, mas antes temos que ter dados científicos que comprovem, senão todas as nossas brigas serão jogadas por água baixo", afirma Luciana Holtz, presidente da ONG Instituto Oncoguia.

 

MCTI quer evitar venda ilegal do produto

Em resposta às críticas da proposta de liberar a fosfoetanolamina como suplemento alimentar, o ministro da Ciência e Tecnologia, Celso Pansera, afirmou que essa seria uma forma de evitar a venda ilegal do produto --que acontece atualmente.

"Nós só queremos que isso chegue às prateleiras das lojas, seja legalizado, com certificado de origem e orientações de uso. Isso não substitui os tratamentos já comprovados para o câncer, nem a orientação do médico", disse.

Para ele, a comunidade científica "precisa ver que pessoas estão consumindo o produto há mais de vinte anos, sem nenhuma segurança de higiene e do que está dentro das cápsulas".

O ministro, contudo, não respondeu quem será responsável pela regularização como suplemento alimentar tampouco se a proposta seria enviada à presidente como indicação de veto ao projeto de lei.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), responsável pela regulação de medicamentos e suplementos alimentares, também foi procurada, mas não se manifestou sobre o caso até o fechamento desta reportagem.

* Com Camila Neuman