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Médicos se surpreendem com gravidade de má-formação em bebês com microcefalia

Ueslei Marcelino/ Reuters
Imagem: Ueslei Marcelino/ Reuters

Bill Berkrot e Anthony Boadle

De Nova York e Brasília

08/02/2016 21h23

Especialistas internacionais em microcefalia, má-formação cerebral que tem causado alarme no recente surto do vírus zika, dizem que estão surpresos pela severidade de um pequeno número de casos brasileiros que revisaram preliminarmente.

Consultas feitas entre médicos no Brasil e nos Estados Unidos aumentaram nas últimas duas semanas, e algumas das principais autoridades nessa condição estão encontrando padrões incomuns em avaliações de cérebros de recém-nascidos com má-formação.

Embora não se saiba quão representativas são essas avaliações, as primeiras observações desses médicos apontam para uma dura estrada pela frente para os bebês, suas famílias e suas comunidades, e aumentam as preocupações sobre a zika, cuja infecção por esse vírus suspeita-se que seja causa da microcefalia.

“Estamos no processo de coleta muito rápida de informação sobre o que tem sido visto”, disse o geneticista William Dobyns, do Hospital Infantil de Seattle. “A condição que eu fui capaz de analisar, muito preliminarmente, é mais severa do que simples microcefalia.”

O Zika vírus é normalmente transmitido pelo Aedes aegypti, causa sintomas moderados em cerca de 20 por cento dos casos e a maioria das pessoas não exibe nenhuma doença.

Mas uma dramática alta de novos de casos de microcefalia entre bebês em certas áreas do Brasil que registram surtos de Zika gerou um esforço internacional para determinar se o vírus causa a má-formação cerebral. A suspeita dessa associação levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar emergência internacional.

Dobyns passou 30 anos pesquisando e tratando pacientes com microcefalia, marcada pelo tamanho do cérebro menor que o normal em recém-nascidos e pode levar a deficiências de desenvolvimento, tanto moderadas quanto severas. Nos Estados Unidos, os Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) têm buscado a experiência do médico para compreender a epidemia.

Com um pequeno grupo de geneticistas e outros especialistas em microcefalia, ele recentemente analisou imagens de alguns bebês enviadas por uma faculdade brasileira. Todos os especialistas ficaram chocados pela escala das deformidades, disse Dobyns.

“Essas crianças têm uma forma muito severa de microcefalia”, disse. “O cérebro não é apenas pequeno, é pequeno e com má-formações no córtex cerebral e calcificações. A aparência é de uma lesão muito severa e destrutiva no cérebro.”

Particularmente alarmante, disse Dobyns, é a presença nos casos brasileiros de excesso de fluído cérebro espinhal entre o cérebro e o crânio dos bebês.

“Se o cérebro está crescendo e então encolhe repentinamente, então você verá fluído entre o cérebro e o crânio”, disse ele. “Tem um padrão que sugere que o cérebro na verdade encolheu em tamanho.”

O médico Leonardo Vedolin, neurologista e pesquisador do Hospital Moinhos de Vento em Porto Alegre, compartilhou com Dobyns imagens de mais dois bebês com microcefalia nesta semana. Os médicos pertencem a um grupo que estuda defeitos cerebrais e que participa mensalmente de reunião por videoconferência. O grupo agora está concentrado no Zika.

Nem Vedolin nem o Ministério da Saúde do Brasil foram capazes de detalhar a severidade dos casos confirmados de microcefalia. Em geral, disse Vedolin, 5 por cento dos casos são severos. Mas a proporção parece ser maior entre os casos no Brasil, acrescentou.

 

AUMENTO NOS CASOS

Autoridades saúde pública no Brasil estão investigando mais de 4.000 casos suspeitos de microcefalia, e confirmaram mais de 400. Antes do surto do Zika, o Brasil tinha uma média de 163 casos anualmente de microcefalia nos últimos cinco anos, de acordo com a OMS. Em 17 dos novos casos, a presença do Zika foi identificada na mãe ou no bebê.

Um estudo com 35 bebês brasileiros nascidos com microcefalia durante o surto de Zika, divulgado pelo CDC em 29 de janeiro, deu mais força à teoria de uma possível ligação.

As mães de todos os 35 bebês haviam vivido ou visitado áreas afetadas pelo Zika vírus durante a gravidez, disse o relatório. Dessas, 25 crianças tiveram microcefalia severa, e 17 tiveram pelo menos uma anomalia neurológica.

O médico Frank Esper, um especialista em doenças infecciosas do Hospital Rainbow para Bebês e Crianças em Cleveland, EUA, disse esperar que uma constante onda de estudos sobre o Zika e microcefalia forneça um cenário mais claro ainda no primeiro semestre de 2016.

Na definição mais ampla, cerca de 2,3 por cento de todos os bebês são microcefálicos, disse Dobyns. Alguns casos são tão leves que não envolvem complicações.

Cerca de um décimo de 1 por cento dos casos é tão severo que são necessários cuidados pela vida inteira, segundo o médico. Há muitas causas conhecidas, incluindo uma ampla gama de distúrbios genéticos como síndrome de Down, assim como falta de oxigênio para o feto.

O tempo de vida em casos severos pode ser de meses a até 10 anos, dependendo da proximidade com bons cuidados médicos, disse Dobyns.

O médica Dawn Nolt, membro do Comitê de Doenças Infecciosas da Associação Americana de Pediatria, e outros médicos, disseram que crianças mais severamente afetadas frequentemente exigem tratamento para crises epiléticos, assim como terapias físicas, respiratórias e de fala. Essas crianças podem precisar de ajuda em atividades diárias como comer e andar.

“É crucial ir a um centro médico com um bom neurologista e equipes de geneticistas que possam avaliar a criança de forma compreensível”, disse a neurologista pediatra Ghayda Mirzaa, colega de Dobyns no hospital de Seattle.

Médicos de Recife estão enviando mães com bebês afetados para terapia a fim de estimular a visão, a audição e as habilidades motoras, buscando minimizar o atraso no desenvolvimento mental e físico.

Há alguns centros de pesquisa e tratamento de microcefalia nos Estados Unidos, incluindo o hospital de Seattle. As consultas de médicos como Dobyns no Brasil são informais neste momento, mas podem formar a base para uma troca organizada de conhecimento que irá subsidiar com informações o tratamento de crianças.

“Precisamos transmitir a mensagem de que isso é real, sem deixar todo mundo em pânico”, disse Dobyns. “Haverá uma aguda curva de novas informações chegando.”