Topo

Matança no Carandiru motivou formação de facção criminosa

Pessoas se aglomeram em frente à Casa de Detenção de São Paulo, no Carandiru, três dias após operação policial que deixou 111 presos mortos em 1992 - Luiz Novaes/Folhapress
Pessoas se aglomeram em frente à Casa de Detenção de São Paulo, no Carandiru, três dias após operação policial que deixou 111 presos mortos em 1992 Imagem: Luiz Novaes/Folhapress

De São Paulo

02/10/2012 06h02

O massacre de 111 presos em 1992 na Casa de Detenção de São Paulo --o Carandiru-- foi um episódio decisivo para a fundação da facção criminosa que atua dentro e fora do sistema prisional paulista, o PCC (Primeiro Comando da Capital), segundo especialistas ouvidos pela BBC Brasil.

O Tribunal do Júri do caso Carandiru, que começaria na segunda-feira (8) no Fórum Criminal da Barra Funda (zona oeste de São Paulo), teve o início adiado para 15 de abril, após uma jurada, com problemas de saúde, pedir dispensa.

Segundo o juiz José Augusto Nardy Marzagão, a equipe médica que dá suporte ao júri constatou “impossibilidade” da jurada de permanecer no tribunal. Por conta disso, o Conselho de Sentença (corpo de jurados) teve de ser dissolvido.

"Antes do massacre, o Estado já extorquia, torturava e matava os presos. O Carandiru não foi a única causa da fundação (do PCC), mas colaborou muito para isso", afirmou o padre Valdir João Silveira, coordenador nacional da Pastoral Carcerária, da Igreja Católica.

O PCC foi criado por um grupo de presos em 31 de agosto de 1993 na Casa de Custódia de Taubaté - pouco menos de um ano depois do massacre do Carandiru.

Os principais objetivos da facão eram combater os maus tratos no sistema prisional e evitar novos massacres como o de 1992, segundo o jornalista Josmar Jozino, autor de três livros sobre o PCC, entre eles "Xeque-mate, o Tribunal do Crime e os Letais Boinas Pretas" (Ed. Letras do Brasil).

"O massacre do Carandiru foi a gota d'água para a criação do PCC. O episódio está registrado até no estatuto de fundação da facção", disse ele.

Segundo os especialistas Jozino e Silveira, o grupo criminoso se espalhou por todo o sistema prisional e impôs regras de conduta aos presos - como a proibição nas cadeias do uso do crack e de assassinatos motivados por dívidas de drogas. A ação teria diminuído os índices de mortalidade nas penitenciárias.

Mas, segundo a Pastoral Carcerária, não há a divulgação de dados completos que possam retratar a evolução da mortalidade nos presídios.

Um levantamento da entidade nos presídios de São Paulo, abrangendo o período de 1999 a 2006, afirma que as mortes caíram de 522 em 1999 (o equivalente 1% da população carcerária na época) para 377 em 2006 (0,3%).

A Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo não confirmou essas estatísticas, mas também não forneceu dados sobre mortalidade solicitados pela BBC Brasil. A pasta também optou por não conceder entrevista.

Crime organizado

A partir de sua fundação em 1993, o PCC também passou a acumular forças para tentar pressionar o Estado, por meio de violência e de ameaças, para obter melhores condições de vida e até regalias para os presos. Porém, os governos paulistas jamais admitiram ter negociado com o PCC.

Cobrando mensalidades de seus "associados", a organização criou uma rede de apoio aos criminosos, que inclui contratação de advogados e apoio financeiro às suas famílias.

A facção também expandiu suas ações para fora dos presídios. Passou a controlar parte do tráfico de drogas em São Paulo, fazer parcerias com facções de outros Estados, alugar armas para ações criminosas e até assumiu o controle de rotas internacionais de entrada de entorpecentes no país.

Essa expansão colaborou para a formação de mais organizações criminosas nos presídios paulistas - essas, por sua vez, dedicadas a fazer frente ao poder crescente do PCC.

A rede criminosa criada em 1993 também buscou vingança contra autoridades envolvidas no massacre do Carandiru.

Segundo investigações da polícia e do Ministério Público, membros do PCC teriam sido os responsáveis pelo assassinato a tiros em 2005 de José Ismael Pedrosa, que dirigia o Carandiru na época do massacre e também administrou a Casa de Custódia de Taubaté.