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Em meio a selfies, procurador da Lava Jato diz que investigações estão longe do fim

Leo Franco l Turma do Bem
Imagem: Leo Franco l Turma do Bem

Adriano Brito - @adrianobrito

Da BBC Brasil em São Paulo

24/11/2015 16h57

Quinta-feira, fim de tarde. O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa do Ministério Público Federal naquele que já é considerado o maior escândalo de corrupção do país, mal desembarca em São Paulo e parte para mais quase quatro horas de estrada até São Bento do Sapucaí, pequena cidade na divisa com Minas Gerais.

Cerca de meia hora após chegar, sobe ao palco montado em frente à igreja matriz para falar a dentistas em um encontro da ONG Turma do Bem, que atende populações carentes. Sua tarefa parece um tanto ingrata: ser o último palestrante do dia e suceder o espirituoso médico Eduardo Jorge, que disputou a Presidência da República pelo PV e, para variar, arrancava risos da plateia.

Em tom didático, o procurador explica por que os casos de corrupção acabam, em sua maioria, em pizza - um cardápio que inclui lentidão judicial e dispositivos como a prescrição. Apresenta os resultados dos trabalhos em Curitiba com o claro objetivo de encher os olhos da plateia para, logo em seguida, decepcioná-la: "Não, a Lava Jato não vai mudar o país", dispara.

Essa é a deixa para chegar ao motivo que o levou até ali: Dallagnol está percorrendo o país para angariar apoio popular à campanha da Procuradoria, idealizada pela força-tarefa em Curitiba, que propõe dez medidas contra a corrupção, que incluem mudanças na lei - única maneira, diz, de coibir esse tipo de crime no país.

A ideia, explica, é levar o maior número assinaturas possível ao Congresso Nacional. Mesmo com o tema árido, sai longamente aplaudido - mas não sem antes atender a pedidos de selfies.

Em entrevista à "BBC Brasil", concedida no trajeto ao interior paulista, no início do mês (ou seja, antes da nova fase da operação, que prendeu nesta terça o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva), o procurador diz acreditar que a Lava Jato ainda tomará anos e afirma existir uma "guerra de comunicação" instaurada pelos advogados do caso. Confira os principais trechos.

BBC Brasil - Qual a probabilidade de um Congresso em que grande parte de seus integrantes está envolvida em casos de corrupção aprovar medidas como essas?

Deltan Dallagnol - Essa dúvida também existia no caso da Lei da Ficha Limpa, várias pessoas diziam que jamais seria aprovada porque prejudicaria parlamentares. Mas vimos que o grande apoio da população fez com que eles agissem na qualidade de representantes e aprovassem aquilo que os representados queriam.

Acreditamos que as nossas instituições funcionam bem. E que, se houver uma grande adesão popular, nossas medidas também serão aprovadas. Aliás, serão uma oportunidade de o Congresso se posicionar em relação a um grande problema de corrupção que está sendo comprovado, recuperando um pouco da sua credibilidade.

BBC Brasil - Essa campanha coloca o Ministério Público numa posição de protagonismo, de certa forma, inédita.

Dallagnol - Na verdade, vejo esse papel de protagonismo na sociedade. Nós temos mais de 400 entidades que assumiram essas propostas como suas, que são apoiadoras formais. Se não for assim, se a sociedade não tomar em suas mãos esse projeto, ele não vai acontecer.

BBC Brasil - Mas isso partiu dos senhores. A popularidade da Lava Jato levou à campanha...

Dallagnol - Isso surgiu de modo natural. A equipe da Lava Jato em Curitiba percebeu que a sociedade estava colocando em nós uma expectativa de transformação que não somos capazes de entregar.

Várias pessoas acreditam que existirá o antes e o depois da Lava Jato, assim como acreditavam que seria com o mensalão. Mas, se você olhar para trás, ao mesmo tempo em que o mensalão estava sendo processado, o petrolão estava a pleno vapor e ainda não havia sido descoberto.

Uma transformação não virá de um caso concreto, como a Lava Jato, que na melhor das hipóteses pode punir os criminosos e recuperar o dinheiro desviado. Precisamos mudar as condições que favorecem a corrupção.

BBC Brasil - Em evento recente, o juiz Sergio Moro elogiou as medidas propostas, mas disse achar mais urgente a aprovação de um projeto de lei, apresentado por uma associação de magistrados, permitindo a prisão já após a condenação em 2ª instância.

Dallagnol - Temos uma proposta praticamente idêntica. Está dentro da medida 4 (apresentada pelo MPF), que possibilitaria executar a pena depois do julgamento em segunda instância. Apoiamos integralmente essa proposta dos juízes.

BBC Brasil - Como isso ajudaria a coibir a corrupção?

Dallagnol - Segundo os principais estudiosos da corrupção no mundo, o criminoso faz uma análise racional dos benefícios - o dinheiro que consegue desviar - e dos custos - a probabilidade e o modelo de punição.

E a realidade no Brasil é de absoluta impunidade dos réus de colarinho branco. A punição demora 10, 15, 20 anos, quando acontece. E isso leva à prescrição, ao cancelamento do caso porque demorou muito, criando um ambiente favorável à existência do crime. Você tira peso do prato dos custos na balança.

BBC Brasil - Havia o temor de que a Lava Jato tivesse o mesmo fim de outras operações com "personagens graúdos", que acabaram anuladas?

Dallagnol - Existe uma dissertação de mestrado, feita por um procurador do caso Lava Jato, o Diogo Castor de Mattos, que analisa casos como Operação Satiagraha, Castelo de Areia, caso Sundown e outros.

Ela conclui que as irregularidades que derrubaram esses casos não eram significativas. Em vários outros casos semelhantes essas mesmas situações não geraram a anulação. Mas nos casos de, como você falou, "personagens graúdos", houve a derrubada.

BBC Brasil - O que os senhores propõem nesse sentido?

Dallagnol - O nosso sistema de nulidades foi, em grande parte, importado dos Estados Unidos. Só que foi uma importação parcial. Propomos adotar o sistema completo, para que a anulação aconteça só quando existir uma violação significativa do direito do réu.

Jamais compactuaríamos com extração de informações mediante tortura, abusos, violações de direitos reais. Quando buscamos alterar o sistema, não é para salvar esse tipo de situação, mas sim aquela em que a atuação periférica de um agente de um órgão público de investigação, simplesmente porque ele não é da polícia, gera a anulação de um caso como a Satiagraha.

BBC Brasil - Alguns acusados dizem que a Lava Jato segue um caminho direcionado. Um exemplo é o presidente da Câmara, Eduardo Cunha: ele diz que seu caso está deslanchando, enquanto outros não. Existe uma priorização?

Dallagnol - Eu não posso comentar casos que não estão comigo, que estão com o procurador-geral da República. Mas, falando em termos gerais, investigações diferentes amadurecem em tempos diferentes. Depende do tipo de prova que você tem em cada caso.

Num caso, por exemplo, em que apareça uma informação, vinda do exterior, de que um determinado político tem uma conta no exterior, isso favorece o avanço da investigação. Essa informação não depende do Brasil para existir, mas sim do Ministério Público Suíço, no caso.

BBC Brasil - Se a delação premiada não pudesse ser utilizada, como estaria a Lava Jato?

Dallagnol - As colaborações foram o motor da Lava Jato, fizeram com que a investigação partisse de um valor de propina pago de R$ 26 milhões para um hoje superior a R$ 6 bilhões.

Precisamos temos de ter em mente que a corrupção é um crime complexo, difícil de ser descoberto. Acontece entre quatro paredes, corruptor e corrupto agem em acordo de silêncio. E mesmo quando descobrimos o que aconteceu, é difícil provar: o pagamento de propina não se dá por um simples depósito em conta, mas por uma série de atos de lavagem de dinheiro.

Você depende, se quiser evoluir nas investigações, da palavra de pessoas envolvidas para ir atrás de provas.

BBC Brasil - O fato de ter advogados muito bem preparados do outro lado obrigou vocês a se calçarem mais em todas as medidas?

Dallagnol - É claro que enfrentar os maiores escritórios de advocacia, vários compostos por professores de grandes universidades, é um desafio. Exige a condução de um trabalho com grande qualidade técnica.

Mas também é um desafio porque são pessoas com acesso à mídia, à divulgação de informações. Que instauram algo que podemos chamar de "guerra da comunicação", geram um ambiente para facilitar que teses emplaquem em tribunais.

BBC Brasil - Como assim?

Dallagnol - Em algum momento, advogados falaram que a carceragem da Polícia Federal no Paraná era um ambiente desumano. Mas comissões de direitos humanos e grupos de controle da atividade policial foram lá e constataram que as condições atendem, sim, às exigências.

O problema é que não necessariamente quem lê a crítica vai ler a resposta, o relatório da comissão. A notícia de que existe um tratamento desumano pode gerar um ambiente mais favorável à obtenção de habeas corpus para soltar os criminosos.

Outro exemplo é uma acusação oferecida recentemente em relação a uma empreiteira, substanciada em documentos que provam depósitos feitos nas contas de agentes públicos corruptos que reconheceram os crimes. No mesmo dia em que apresentamos a acusação, com fartas provas, os advogados fizeram uma (entrevista) coletiva dizendo que o Ministério Público não tinha mais do que indícios e presunções.

E há ainda quando os advogados dizem que prisões são feitas para obter colaborações, ou forçar pessoas a confessar. É absolutamente mentiroso: mais de 70% dos acordos foram feitos com pessoas que nunca foram presas.

BBC Brasil - Ainda há muito tempo de trabalho pela frente na Lava Jato?

Dallagnol - Se parássemos de buscar informações para fatos novos, se disséssemos "a partir de hoje não entrará mais nada novo", ainda sim teríamos material para trabalhar mais um ano.

Mas investigações não param assim. Na medida em que você investiga, que os réus continuam tendo perspectiva de punição, eles continuam buscando a alternativa de fazer acordos de colaboração.

E os acordos permitem o aumento exponencial da investigação, como aconteceu lá atrás. Você está investigando uma pessoa por um crime "A" e ela revela "B", "C", "D" e "E", que você nem sequer conhecia.

BBC Brasil - A Lava Jato vai mudar a forma como os corruptos lavam dinheiro?

Dallagnol - As técnicas de lavagem mudam na medida em que são descobertas e identificadas. Esse refinamento é um fenômeno mundial e natural, porque criminosos não vão querer repetir técnicas malsucedidas no passado. Não tenho dúvidas de que os modos detectados na Lava Jato serão evitados no futuro.

Nossa investigação por vezes é comparada com o caso Mãos Limpas, na Itália, e tem sim uma grande semelhança: uma empresa estatal estava no centro das investigações, propinas eram pagas sobre contratos em um montante muito semelhante ao pago aqui, 3%, e os destinatários eram, inclusive, políticos.

(Mas) o que aconteceu depois? O cenário de impunidade prévio foi mantido - a Mãos Limpas foi um ponto fora da curva, como a Lava Jato é. As pessoas passaram a tomar cuidados adicionais para não serem descobertas.

Hoje, na Itália, é mais difícil reprimir crimes de corrupção do que era antes da Mãos Limpas. Temos de conduzir transformações e evitar que isso aconteça aqui.

BBC Brasil - Empreiteiras dizem que são vítimas, que só conseguiriam trabalhar com o governo se participassem de um esquema como esse.

Dallagnol - Nós vimos um esquema horizontal: todos se beneficiavam, todos têm culpa - empresários, agentes públicos e lavadores de dinheiro.

Esse argumento de que só se pode trabalhar assim é mentiroso. As empresas não só corromperam. Um fato que mostra que isso é que se associaram num cartel para fraudar licitações, ajustavam o preço a ser ofertado, o preço vencedor e quem seria a empresa vencedora.

Ainda que essas empresas fossem obrigadas a pagar propina sobre contratos, isso jamais as obrigaria a se cartelizar para majorar suas margens de lucro. E os dois esquemas estavam intrinsecamente ligados, o cartel e a corrupção. Ninguém é extorquido para lucrar milhões.

BBC Brasil - Vários setores utilizaram a Lava Jato como argumento para pedir o impeachment de Dilma Rousseff. Como o sr. vê isso?

Dallagnol - O combate à corrupção é apartidário. Ela é endêmica, não é problema de um partido A ou B ou de um governo A ou B. Evidências históricas mostram que vem de longa data e percorreu diferentes governos e partidos. E em diferentes esferas: federal, estadual e municipal.

Pessoas podem ser contra a corrupção e podem aderir a campanhas contra a corrupção sejam essas pessoas de direita ou de esquerda. Nós não fazemos qualquer tipo de vinculação.

Sobre a questão de impeachment, o Ministério Público Federal é totalmente neutro. Somos contrários à corrupção, em qualquer governo que esteja no poder.