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Tradição e modernidade se cruzam em festas "diferentes" nas ruas do Nepal

22/08/2013 14h52

Manesh Shrestha.

Katmandu, 22 ago (EFE).- Tradição e modernidade se cruzaram nesta quinta-feira nas ruas de Katmandu com um festival religioso centenário que lembra a morte de familiares e uma parada gay que aproveita a ocasião para reivindicar os direitos dos homossexuais.

Milhares de pessoas acompanhadas de crianças de entre cinco e 15 anos disfarçados de vacas e ascetas percorreram a parte antiga da capital nepalesa para comemorar o Gai Jatra - Festival da Vaca.

Este festival começou no século 17 quando o rei Pratap Malla ordenou aos súditos que tinham perdido um familiar no último ano levar para a rua uma vaca ou uma criança disfarçada de vaca para consolar sua esposa, cujo filho tinha morrido recentemente.

"Sua mulher estava muito triste após a morte de seu filho", explicou Naba Shrestha, um dos participantes da comemoração.

"O rei queria dizer a sua esposa que outras pessoas também tinham perdido entes queridos", afirmou Shrestha.

A colorida festa é organizada para levantar o ânimo, mas também tem um tom espiritual, já que os hindus nepaleses acreditam que a alma de um morto cruza o rio Baitarni, que separa a terra do céu, agarrada no rabo de uma vaca.

Um asceta acompanha a vaca para ajudar na passagem do rio com suas orações.

Os que têm condições financeiras doam uma vaca a um sacerdote no 13º dia da morte de um familiar.

Enquanto as crianças caminham enfeitadas de vaca, os adultos oferecem balas e dinheiro para 365 crianças, uma para cada dia do ano, explicou Shreshtha, que lembrava a morte de seu avô e era acompanhado por dois sobrinhos, disfarçados de vaca e de asceta.

Apesar do calor, Anil Maharjan, um dos sobrinhos, afirmou que estava gostando do passeio.

Da mesma forma que ocorria provavelmente há 300 anos, cada "vaca" e "asceta" passa na frente do palácio real no centro da cidade.

Mas hoje poucas vacas reais passaram na frente do palácio, já que estes animais são caros e, como símbolo de pureza após participar do festival, devem ser doados a sacerdotes.

No hinduísmo a vaca é sagrada e não pode ser sacrificada nem comida.

Como sinal da mudança dos tempos, desde 2004 a comunidade gay realiza uma marcha no mesmo dia do Festival da Vaca.

"Devido aos preconceitos que enfrentam no Nepal, os homossexuais acreditam que ninguém lembrará de suas mortes e por isso organizam uma marcha eles mesmos enquanto estão vivos", afirmou Sunil Babu Pant, um dos ativistas mais conhecidos do país.

"O festival tradicional é muito colorido e uma parada gay é aceitável nestas circunstâncias", explicou Babu.

A transexual Julie Chepang, de 21 anos, viajou cem quilômetros para participar da parada gay.

"Não podemos vestir estas roupas no dia a dia. No festival podemos", afirmou a jovem em referência à maquiagem e ao decote que exibia.

Para Oshin Shrestha, de 20 anos, se trata de "uma oportunidade de conhecer gente como nós".

A parada gay, cheia de bandeiras de arco-íris e bolas coloridas, começou no distrito turístico da cidade, percorreu o centro e acabou nas portas do palácio.

O festival religioso, que a comunidade gay aproveita para ganhar visibilidade de forma irreverente para muitos dos nepaleses desempenhou historicamente um papel de zombaria, com espetáculos satíricos nos quais fazem brincadeiras sobre políticos.

Embora com a chegada da liberdade de expressão este aspecto político tenha perdido relevância.

Durante o Governo autocrático do rei entre 1960 e 1990 se aproveitava o festival para satirizar as autoridades, que permitiam as brincadeiras nesta data.

Mas desde a queda da monarquia em 2008, os espetáculos satíricos já não são o que eram antes.