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França tenta descobrir o que deu errado na sua pior tempestade em 25 anos

Javier Albisu

Em Paris

05/10/2015 15h09

A grave tempestade registrada no sul da França na noite do sábado passado (3), a pior nos últimos 25 anos, gerou dúvidas sobre a capacidade de antecipação dos serviços meteorológicos, incapazes de prever a violência de uma enchente que deixou pelo menos 20 pessoas mortas.

As equipes de resgate encontraram nesta segunda-feira (5) três novas vítimas, a última uma mulher de 82 anos achada em um porão em Cannes, depois que outro corpo foi descoberto em um estacionamento subterrâneo dessa cidade mediterrânea e um terceiro apareceu em uma garagem da cidade vizinha de Mandelieu-la-Napoule.

Com mais de 9.000 famílias sem energia elétrica e com os moradores de Côte D'Azur tentando voltar à normalidade entre ruas destroçadas, veículos derrubados e casas destruídas, os olhares se voltam rumo a Météo France.

O serviço público de meteorologia da França lançou apenas um "alerta laranja" (em uma escala que vai do verde ao vermelho) perante a chegada das precipitações no departamento dos Alpes Marítimos e as autoridades locais pediram somente prudência aos cidadãos. Mas nada fazia prever que o céu descarregaria em menos de duas horas a mesma quantidade de chuva que normalmente cai ao longo de dois meses.

Foram quase 200 litros de chuva por metro quadrado, que arrastaram carros, arrancaram árvores e destruíram mobiliários urbanos. Com isso, o presidente da França, François Hollande, foi obrigado a decretar o estado de "catástrofe natural".

"Atualmente, a antecipação não é possível para estes fenômenos excepcionais e intensos", declarou aos meios de comunicação o diretor de operações de Météo France, François Lalaurette, que reconheceu que é normal pedirem explicações ao centro meteorológico.

Eric Ciotti, deputado conservador pelo departamento de Nice, foi um dos primeiros a assegurar que deveria ter sido decretado o alerta máximo perante a violência extrema da tempestade. No entanto, Lalaurette justificou que antes da tempestade mantiveram só a "alerta laranja", pois modificar os protocolos representaria ter de recorrer com muita assiduidade ao máximo nível de precaução, o que limitaria sua efetividade.

"Quando se grita muito frequentemente que vem o lobo, ninguém mais escuta", resumiu o analista, que explicou que a concentração da tempestade em uma área geográfica muito precisa também dificulta as previsões dos cientistas.

Os modelos do Météo France oferecem cinco atualizações diárias, que permitem estimativas detalhadas sobre o que ocorrerá somente na hora seguinte. Em 2016, o sistema será modernizado para aumentar a projeção desses modelos para até sete atualizações por dia, o que permitirá prever fenômenos como o do último fim de semana com três horas de antecedência.

No entanto, as dúvidas sobre a capacidade de prognóstico não são as únicas incógnitas que a mídia francesa aborda hoje. Os jornais também questionam se a região afetada não estava excessivamente urbanizada e se o fenômeno é consequência da mudança climática. A opinião dos especialistas é clara: não existe perspectiva estatística suficiente para garantir que a mudança climática é a responsável por este tipo de fenômeno.

"Não se pode atribuir o fenômeno dos Alpes Marítimos à mudança climática porque ainda nos falta distância", declarou ao jornal "Le Monde" o diretor do Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França (CNRS), Philippe Drobinski.

No entanto, ele reconheceu que esse tipo de evento meteorológico "pode voltar com mais frequência e mais intensidade em um contexto de aquecimento climático".

"De maneira geral, sob o efeito do aumento da temperatura, a atmosfera retém mais quantidade de vapor d'água, o que gera mais precipitações", resumiu o diretor.