Aula básica de bipartidarismo nas eleições do Reino Unido
Durante a campanha eleitoral recente, alguém perguntou ao líder do Partido Conservador, David Cameron, hoje primeiro-ministro do Reino Unido, qual era sua piada favorita. Ele respondeu “Nick Clegg”. Durante esta mesma campanha eleitoral, o líder liberal democrata, Nick Clegg, hoje vice-primeiro-ministro britânico, acusou David Cameron de “assombrosa arrogância”. “Neste país, você não herda o poder, você tem que merecê-lo”, aludindo de forma pouco sutil à família do oponente.
Tudo isso foi bastante civilizado pelos padrões da política britânica. Winston Churchill certa vez descreveu seu oponente, Clement Attlee, como um “homem modesto com muitos motivos para ser modesto” ou como uma “ovelha em roupa de ovelha”. Elaborando sobre este mesmo tema, um político trabalhista vergonhosamente fez pouco dos ataques de um oponente dizendo que “eram comparáveis a ser ameaçado por uma ovelha morta”. Nem toda a maldade se restringe aos partidos. Quando perguntaram a Edward Heath por que Thatcher odiava-o tanto, seu predecessor conservador meramente deu de ombros: “Não sou médico”.
Os insultos, divertidos ou não, são centrais à vida pública britânica por uma razão: este é um país no qual o governo e a oposição fazem cara feia um para o outro dos dois lados da Câmara dos Comuns, onde uns zombam dos outros quando falam. O partidarismo americano, seja do tipo Nancy Pelosi ou Sarah Palin, é uma pálida imitação em comparação. Tudo isso explica a genuína fascinação com a coalizão Cameron-Clegg, conservador-liberal democrata, direita-esquerda: após três semanas, tornou-se claro que isto não é apenas um governo, é uma mudança cultural.
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Curiosamente, os dois homens no centro da coisa toda estão fazendo se adaptando com facilidade. Graças, sem dúvida, a sua formação idêntica (colégio interno, Oxbridge), eles partilham do mesmo sentido irônico de distância e senso de humor. Em sua primeira conferência de imprensa, Cameron humildemente confessou ter feito a piada sobre Nick Clegg; este fingiu sair irritado, e Cameron gritou melodramaticamente “volte!”. Tudo estava bem na confusão.
Outros, contudo, não parecem tolerar tão bem a situação. Richard Littlejohn, colunista do Daily Mail que ocupa o espaço aconchegante entre a direita e a extrema direita, na semana passada alternava entre falar mal de Cameron (ele está “trabalhando com base para ter as traições logo no início”), elogiar os planos do novo governo de reforma da previdência e enquanto previa seu fracasso (“Não quero fazer chover na festa dele...”). Enquanto isso, Polly Toynbee, que ocupa posição similar na esquerda, reclamou furiosamente contra os planos da nova coalizão de cortar o déficit –o déficit britânico é o maior da Europa, maior do que o da Grécia- enquanto simultaneamente atacava o governo trabalhista por, hum, querer cortar o déficit.
Quem atacar? Quem defender? É difícil ser um colunista partidário quando todas as linhas partidárias estão sendo redesenhadas –mas é ainda mais difícil ser um político partidário. Há conservadores que foram para a política para combater a integração europeia. Há democratas liberais que foram para a política para apoiá-la. Todos enfrentam o mesmo dilema moral, muito real: devem ater-se aos seus princípios –e atacar seu partido no poder- ou ceder. Toda crise política ou decisão importante vai forçar cada um deles a enfrentar esse dilema novamente.
Nós já estamos tendo um vislumbre do que está por vir. No final de semana, um alto liberal democrata, o secretário do Tesouro David Laws, renunciou após usar dinheiro público para pagar o aluguel de um apartamento de seu parceiro. Em meio a todas as expressões normais de alegria e horror, outra questão urgente emergiu: será que o conservador fiscal Laws pode ser substituído? Há outro conservador fiscal com sabedoria econômica no Partido Democrata Liberal? Os conservadores pareciam preparados a aceitar Laws, mas não há garantias de que aceitarão seu substituto. Os liberais democratas pareciam preparados a aceitar os cortes de orçamento de Laws, mas não há garantias que vão aceitar se eles parecerem ser cortes de orçamento do Partido Conservador. Não posso dizer o que vai acontecer agora, porque não sei.
É um drama que vai continuar enquanto essa coalizão durar e só vai se tornar mais interessante. Extraordinariamente, o destino deste governo depende não apenas dos cálculos políticos normais, mas também de algumas questões básicas sobre a natureza humana. E há lições aqui para o resto de nós. Se tiver sucesso –se a coalizão permanecer unida, se superar a crise financeira britânica, se reformar a educação e a previdência, se produzir uma política externa coerente– saberemos que, sim, é possível converter um amargo partidarismo em bipartidarismo amigável sem destruir o partido ou perder a alma. E se a coalizão fracassar –bem, talvez o partidarismo não possa ser vencido.
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