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A insurreição permanente de Mario Vargas Llosa

Vargas Llosa recebe os parabéns durante uma entrevista coletiva em Nova York (EUA), após ganhar o Nobel de Literatura - Justin Lane/EFE
Vargas Llosa recebe os parabéns durante uma entrevista coletiva em Nova York (EUA), após ganhar o Nobel de Literatura Imagem: Justin Lane/EFE

Jorge Ramos

13/10/2010 00h02

Quando Mario Vargas Llosa foi premiado com o Nobel de literatura, em 7 de outubro, o presidente peruano, Alan García, o chamou de "um ato de justiça". Está certo. Nenhum escritor de fala hispânica havia ganhado o Nobel desde Octavio Paz em 1990, e Vargas Llosa, cuja obra nos deu uma compreensão maior das complexas realidades da vida na América Latina, é realmente merecedor dessa honra. Se é verdade, como muitos suspeitam, que diferenças ideológicas impediram que Vargas Llosa recebesse antes o Nobel, então claramente o peso de sua obra finalmente superou qualquer preconceito contra ele.

Estive com Vargas Llosa na Feira do Livro de Miami em novembro de 2003, e nesta semana quis compartilhar alguns dos momentos chaves dessa entrevista, que me ajudou a compreender por que a palavra de Vargas Llosa tem tanto peso na América Latina. Sete anos depois, com o embargo comercial dos EUA sobre Cuba submetido a um debate contínuo e o irmão de Castro, Raúl, esforçando-se por manter o regime com o apoio de Fidel, as declarações de Vargas Llosa sobre a queda inevitável da ditadura agora nos parecem prescientes e obcecantes.

Miami. Mario "superstar". Nesta cidade de praias e biquínis, de exílios tanto forçados como autoimpostos, de clubes noturnos e bares sob as estrelas, de moda latina, festa e espetáculo, é difícil reunir mais de cem pessoas a menos que se trate, é claro, de um protesto anticastrista, um jogo dos Marlins ou um show de Shakira. Por isso foi surpreendente quando centenas de pessoas se apresentaram em um domingo à noite durante a Feira do Livro de Miami para ver... um escritor. Cerca de 700 conseguiram entrar no auditório Chapman e ouvir um dos mais conhecidos escritores de nosso tempo.

Recebedor de mais de cem prêmios literários diferentes e condecorações, pronunciou um de seus discursos mais memoráveis ao receber o prêmio de romance Rómulo Gallegos em 1967. Nessa época, jovem e sonhador, Vargas Llosa disse: "A literatura é fogo, é uma forma de insurreição permanente... todo escritor é um descontente". Desde então não deixou de provar, com sua escrita e sua vida, que isso é verdade.

De sua falida aspiração presidencial no Peru em 1990 - a mim coube estar em seu encerramento de campanha em Lima e sua mensagem, cheia de alusões à literatura e a sua experiência europeia, não impressionou o público - nasceu seu romance "Um Peixe na Água". Em livros como "O Paraíso na Outra Esquina", sonhou em utopias muito distantes da política real do mundo.
Mas Mario Vargas Llosa também é um homem de seu tempo e não se isola do resto do mundo, e em nossa entrevista em Miami falou da viagem que havia feito ao Iraque no verão anterior. Pensando nos exilados cubanos na plateia, perguntei a Vargas Llosa: "Seria justificável uma invasão a Cuba?"

"Olhe, eu não justificaria nunca uma ação militar, porque é conveniente para os interesses dos EUA", me disse. Procedeu a explicar sua intensa, às vezes controversa, posição sobre a revolução cubana, que apoiou durante quase uma década. "Desde o ano 67, 68, fui um crítico muito severo de Fidel Castro, da revolução cubana, e muito crítico dos que apoiaram a revolução cubana ou contribuíram para manter vivo o mito de uma sociedade que lutava pela justiça, por igualdade."

Sobre o embargo comercial americano a Cuba: "O embargo fracassou por uma razão muito simples: porque nunca houve um embargo real. Os EUA decretaram o embargo, mas Cuba podia comprar os produtos que quisesse, os produtos americanos, no Panamá, no Canadá, na Espanha. O embargo foi, sim, um dos instrumentos psicológicos que a ditadura utilizou (para se apresentar) como vítima, como um David enfrentando Golias".

Sobre o futuro de Cuba: "É um regime putrefato, absolutamente em vias de decomposição, e o que o mantém é essa espécie de hipnose com que os ditadores, os grandes ditadores, chegam a contagiar todo um povo. Eu estou absolutamente convencido de que a ditadura não vai sobreviver de maneira alguma - nem sequer por um curto tempo - ao desaparecimento do tirano, Fidel Castro. E faço votos para que esse desaparecimento seja muito em breve".

E em última instância, o que importa o que diga Vargas Llosa sobre Cuba? Bem, a América Latina é um lugar em que as opiniões dos romancistas são levadas a sério, é um lugar onde as ideias e os sonhos influem na política e em nossa vida diária como pão na comida. Por exemplo, a frase de Vargas Llosa de que o México era "a ditadura perfeita" foi utilizada frequente e eficazmente pela oposição mexicana até que em julho de 2000 o Partido Revolucionário Institucional perdeu a presidência pela primeira vez desde 1929. Da mesma maneira, as palavras do escritor sobre um embargo que não funcionou e sobre a situação deteriorada da ditadura cubana podem ter um peso específico e talvez acelerar a inevitável transição para a democracia em Cuba.