Jesus e Bolívar
Nesta época em que os grandes líderes nos fazem tanta falta, as figuras históricas de Jesus Cristo e Simón Bolívar parecem desproporcionais, de ficção.
Com é possível que um só homem, vestido com túnica e sandálias, e sem posses materiais, tenha criado uma das religiões mais influentes dos últimos dois mil anos? Como pôde um homem sozinho derrotar um dos impérios mais poderosos da história (a Espanha) e ao mesmo tempo unir vários países da América do Sul?
Os relatos das vidas de Jesus e Bolívar são cheios de exageros e abusos. O nome de Jesus foi usado em vão durante séculos, tanto por religiosos bem intencionados como por assassinos. E não faz muito tempo que o ex-presidente Hugo Chávez tentou usar o legado de Bolívar para se transformar em ditador. (Chávez é certamente o único personagem da história que, ridícula e constantemente, se comparava com Jesus e Bolívar.)
Mas dois livros extraordinários despem o mito e nos devolvem pessoas de carne e osso.
A jornalista Marie Arana, nascida no Peru, desenha um retrato detalhado do "Libertador" - quem sabia que era muito baixo, medindo apenas 1,67 metro, e pesava só 58 quilos - e nos explica como sua vida continua influindo fortemente na América Latina, quase dois séculos depois de sua morte. Dizer sonho bolivariano implica a união dos povos.
Em seu livro "Bolívar, American Liberator" [Bolívar, libertador americano], Arana escreve habilmente em inglês como este jovem aristocrata sem formação militar libertou seis países do império espanhol, controlou um território sete vezes maior que o de George Washington na Guerra da Independência e integrou a sua luta, desde o início, as populações negra e indígena.
Viúvo aos 19 anos, nunca mais quis se casar. Suas vitórias no campo de batalha só foram equiparáveis às na cama, e a escritora não oculta a intensidade e a frequência de seus amores, vários dos quais seriam considerados hoje quase um abuso. Mais surpreendente, entretanto, é o relato de seu decreto de "guerra até a morte" e a terrível decisão, por exemplo, de decapitar durante quatro dias mais de mil espanhóis reclusos em um hospital e em outros lugares de La Guaira em 1814.
O bolívar de Arana é cheio de sangue, hormônios, excessos, erros, coragem e um irrefreável desejo de ser livre e libertar os demais. Esse Bolívar é muito mais atraente e real que as atuais invenções pós-chavistas.
O Jesus do escritor e acadêmico Reza Aslan está -- como o Bolívar de Arana -- muito mais ligado à terra que ao céu. O livro se chama em inglês "Zealot", cuja tradução literal seria "fanático", embora o contexto do livro sugira que é melhor chamá-lo de "rebelde".
Em vez de discutir o absurdo e impossível de provar se Jesus é filho de Deus, que é a mesma coisa que discutir quantos anjos cabem na ponta de um alfinete, Aslan nos leva ao próprio território onde cresceu o criador de uma das religiões mais importantes do planeta. Esse é o Cristo histórico, e não o religioso.
Aslan argumenta de modo convincente que Jesus nasce em Nazaré, e não em Belém como afirma a tradição católica, e que teve vários irmãos e irmãs. A crucificação, longe de ter sido um castigo aplicado em particular a Jesus, era uma forma muito comum de executar os que se rebelavam contra o império romano. O melhor do livro é a descrição de Jesus Cristo como um rebelde, em oposição tanto aos romanos como aos líderes da Palestina.
Também desmitifica a crença cristã de que Jesus ressuscitou no terceiro dia depois de sua morte. Impossível. "O fato é que a ressurreição não é um evento histórico", escreve Aslan. E para os que seguem ao pé da letra as palavras do "profeta", o autor lembra que o que hoje entendemos por cristianismo foi um acordo alcançado por uns velhos barbudos na cidade de Niceia (hoje na Turquia) em uma reunião solicitada pelo imperador Constantino cerca de 325 anos depois da morte de Jesus.
Ambos os livros destroem grandes mitos. Mas nos devolvem homens que, muito jovens - Bolívar aos 30 e Jesus aos 33 -, mudaram o mundo em que vivemos e a forma como pensamos. Na verdade, prefiro os de carne e osso.
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