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Carta a minha filha

Jorge Ramos

28/05/2015 00h02

Minha querida Paoli:

Eu lhe devia esta carta há muito tempo. Mas queria mandá-la em um momento importante, e esse momento chegou. Você está se formando no mestrado e não posso estar mais orgulhoso.

Há filhos que superam em muito a seus pais, e você está nessa maravilhosa categoria. Parece impossível que uma filha de imigrantes (de Cuba e do México) acabaria estudando em Harvard. Mas a verdade é que você já nos acostumou com os impossíveis. (E os EUA também. Só espero que os imigrantes que chegaram depois de nós sejam tratados com a mesma generosidade e lhes deem as mesmas oportunidades que tivemos.)

Você é muito mais que inteligente. Em algum momento de sua viajante juventude - saltando de casas entre Miami e Madri -, você aprendeu a espremer o suco da vida. Adoro as fotos que você nos manda, brincando em qualquer lugar do planeta, quase voando, como se estivesse suspensa no ar e com um sorriso que diz, inequívoco: "Eu amo esta vida". (Você não sabe quantas vezes pensei que eu sempre quis ser como você.)

Uma das lições mais difíceis da vida é ser você mesmo. Aparentemente, isso não lhe deu tanto trabalho. Você não copia. Apenas é. E até desenvolveu um estilo de vestir-se que poderia descrever como o "Paola look": cômodo, cool, um pouco desafiador e único.

Uma amiga da família me disse certa vez: "Paola vai salvá-lo". Você acabava de nascer - apareceu meu primeiro cabelo branco - e não entendi naquele momento o que queria dizer. Mas pouco depois ficou muito claro que o mais importante na minha vida seriam você e seu irmão Nicolás. Efetivamente você me salvou: quando tenho dúvidas sobre o que fazer, sei onde procurar. No coração, no sangue. Isso não falha. Vocês sempre serão minha prioridade.

Com a possibilidade de ter três passaportes e vários idiomas em sua língua, você é o melhor exemplo que conheço de inclusão e diversidade no mundo. Sua geração me encanta. Estão cansados de rótulos, de crenças idiotas e de valores impostos. É a primeira geração em que homens e mulheres são feministas e, por princípio, rejeitam a discriminação. Intuíram desde muito pequenos que não há nada permanente na vida, por isso não gostam de esperar. Desafiam a autoridade e as tradições como um exercício diário. Isso vai criar países melhores; trata-se de deixar este planeta um pouquinho melhor do que quando o recebemos.

Você poderá ser presidente ou poderá, se quiser, enfrentar uma presidente. Ou escrever. Ou tudo. Aprendeu que pode fazer tudo e que não deve se limitar. Isso você decidirá, e só você. Tomou o controle de sua vida, de seu destino, e isso é muito valioso. Não, a felicidade não vem em um aplicativo - há coisas que não mudam com um celular -, mas você sabe que ser feliz é algo que se trabalha, não um presente caído do céu.

Seus amigos se espantam de que falemos por telefone quase todos os dias. Discutimos política, filosofamos sobre amores - o amor requer sempre dois, eu lhe disse na última vez; um não é suficiente - e quando nos encontramos compartilhamos livros, viagens, batatinhas com pimenta, queijo manchego, um jogo de basquete e o pavor dos aviões em turbulência. Fecho os olhos e recordo a canção que cantava para seus lindos olhos verdes e a saudação especial que tínhamos. (Pare, papai, pare, não continue, você deve estar pensando.)

Miami, que surgiu do mar e dos pântanos - lar de tantos exílios -, nos acolheu com muito carinho, paciência, tolerância e trabalho. Faz tempo que você não mora em casa, mas nada me encanta mais que suas visitas. Faltaram-nos tantos abraços quando vivíamos em dois continentes que sempre tenho a sensação de que temos muitos outros pendentes. Por isso, não importa sua idade, você sempre terá seu quarto em casa. É para você e para mim. Quero sempre acreditar que está chegando.

Esta carta tão pública, inevitavelmente, cairá no lugar do piegas que tanto tememos, você e eu. Mas eu queria lhe presentear algo de minhas próprias mãos. Além disso, não vale passar a vida escrevendo para os outros e não para quem você mais ama.

O mundo é seu. Entre nele e comece a jogar.

Eu a amo tanto, Paoli, acredito totalmente em você, e você tem um pai que explode de felicidade.