Reinaldo Azevedo

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Opinião

Tarcísio deixa claro ao extremismo de centro: ele é de extrema direita, pô!

O mais importante da tal CPAC (Conferência de Ação Política Conservadora) — reunião anual de extremistas de direita promovida pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) — já aconteceu. Não se trata da diatribe de Jair Bolsonaro, fingindo acreditar na recuperação da elegibilidade, nem do discurso certamente delinquente de Javier Milei, presidente da Argentina, que chegou ontem a Balneário Camboriú e fala neste domingo. O episódio mais relevante desta jornada da insanidade reacionária é a intervenção de Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo.

Não queria entristecer os líricos do "bolsonarismo moderado" nem constranger alguns "analistas" que hoje se esforçam para normalizar o discurso da extrema direita aqui e alhures. Bem, Tarcísio está deixando claro com todas as palavras, convicções, inflexões, letras e visão de mundo: ele não é pré-candidato ao sonhado "nome do centro" para disputar as eleições de 2026. Está claro que não é do tipo que se deixa convencer ou seduzir pelos jantares dos bacanas e da "direita limpinha", que entende a política social como sinônimo de um olhar generoso e embevecido para os pobres — que, por óbvio, nessa pantomima, devem ser necessariamente gratos, chorando muito e reivindicando pouco.

Tarcísio não é o "centrista". Leio na edição eletrônica da Folha: "Tarcísio faz discurso linha-dura, fala de 2026 e enaltece Bolsonaro e Deus em evento da direita". Para o governador, seu chefe político foi, ao longo de quatro anos, um alvo de pessoas más, "bombardeado por narrativas". Segundo a reportagem, houve exclamações como "Quanta inspiração! Quanto sacrifício!".

No Globo, leio esta outra fala:
"Nós tivemos um professor, nós tivemos a oportunidade e privilégio de conviver com o presidente Bolsonaro. A gente viu o presidente fazer muito sacrifício pelo Brasil. Ele resgatou a autoestima e trouxe o patriotismo. Quantos estados hoje têm escolas cívico-militares? São Paulo aprovou a lei e tem gente que critica."

Como alguém ousa criticar "escolas cívico-militares", não é mesmo?

Falou mais:
"Este ano é um ano de fazer compromisso, de dar cara a tapa, de fazer esforço porque esse ano a gente começa a construir o que vai ser 26. Eu tenho um pedido: não vamos permitir que a narrativa se sobreponha à realidade. Se a gente permitir que a narrativa tome lugar da realidade, a gente vai (...) Nós aprendemos o caminho. A direita tá aqui e tem uma liderança que é o presidente Bolsonaro. Nós esperamos muito do presidente Bolsonaro ainda, é uma pessoa que dá fortaleza para nós. Tem muita coisa boa para acontecer".

O " tem muita coisa para acontecer" alimenta a crença de que o ex-presidente possa recuperar a elegibilidade, possibilidade com a qual o próprio Bolsonaro acenou, anunciando um suposto "ponto de inflexão", exortando os seguidores a apostar numa nova composição do TSE etc. e tal. Par lembrar: este senhor está inelegível duas vezes. Nem vou entrar em minudências, mas a reversão é impossível nos tribunais. Caso se aprove uma anistia no Congresso, será declarada inconstitucional.

Ocorre que um dos objetivos desse troço chamado CPAC é declarar que não há possibilidade de um outro nome contrastar com o de Bolsonaro. É ele o candidato e pronto! Há, não duvido, uma parcela que realmente acredita nisso. E o resto finge acreditar porque, numa seita, não se pode duvidar do mito fundante. Ou se pratica apostasia.

Não será Tarcísio a dar uma de doido. Não é um apóstata. Tem de ser convincente. E que se note: duvido que ele realmente ache possível a "(re)elegibilidade" de Bolsonaro, mas não tenho dúvida de que ele realmente acredita nas coisas que disse, o que implica que pretende ser presidente da República para levar adiante o credo bolsonarista. Não faltou nem mesmo a evocação do Espírito Santo...

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JÁ QUE SE FALA DE DEUS...
E já que aqui se fala de Deus, de espiritualidade, de fé, um cadáver chegou a ser exibido neste sábado no encontro desse tipo de "conservador". Aconteceu durante a intervenção de Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública de São Paulo.

Transcrevo um trecho de reportagem da Folha:
"Num telão, ele [Derrite] apresentou números e ações da polícia, sobretudo contra a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), citando líderes do grupo que foram mortos. Em determinado momento, chegou a mostrar o corpo de um homem que estaria envolvido com o crime organizado e foi morto nesta sexta-feira (5). 'Esse vagabundo aqui ontem, os policiais do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) foram no encalce dele para tentar realizar a prisão, mas ele resistiu e atirou nos policiais', disse, sob aplausos."

O braço armado de Tarcísio não viu nenhum problema em exibir um presunto para exemplificar a eficácia do seu trabalho. Apetecida, saciada, de pança moral cheia diante da morte, a plateia aplaudiu. Para surpresa de ninguém, desferiu duros ataques ao governo federal.

Tarcísio se juntou depois a Bolsonaro e a Jorginho Mello (PL), governador de Santa Catarina, para receber e saudar Javier Milei, presidente da Argentina, hoje o histrião da Internacional dos reaças. O delinquente político discursa neste domingo e ninguém duvida de que o presidente Lula será um de seus alvos.

NORMALIZAÇÃO DO EXTREMISMO
Tarcísio apresentar-se como um político de oposição ao governo federal é parte do jogo -- sempre deixando claro que não me incluo entre aqueles que veem o bolsonarismo como uma das expressões da democracia. Mas é inaceitável que um governador de Estado, que também tem deveres institucionais, participe da pantomima envolvendo Milei.

Esse sujeito é chefe de Estado. Seu homólogo no Brasil é o presidente Lula, com quem não tem agenda. Já avisou que não comparecerá à Cúpula do Mercosul no dia 8, no Paraguai. Repetirá aqui, tudo indica, o roteiro que cumpriu na Espanha: compareceu a um evento do Vox, a extrema-direita neofascista (franquista!) local, e dirigiu invectivas contra Pedro Sánchez, o primeiro-ministro do país, e sua mulher, Begoña Gómez.

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O governador de São Paulo decide, assim, tratar o governo federal como inimigo, anunciando em seu discurso que tudo o que fizer de agora em diante mira 2026 — "tudo por Bolsonaro, é claro!"... Também o seu secretário da Segurança foi muito além de exaltar suas próprias virtudes — entre elas, parece, está produzir cadáveres, o que é estarrecedor. Ambos trataram o governo Lula como se demandas do Estado, encaminhadas por suas autoridades, fossem ignoradas pelo presidente da República, o que é escandalosamente mentiroso.

Por que tanto desassombro e tanta ousadia em cruzar a linha do absurdo? Porque essa gente vê esse seu comportamento ser normalizado por setores consideráveis da própria imprensa. Como Lula é alvo de uma artilharia como raramente vi, essas lideranças disruptivas, que não respeitam, como evidencio, os marcos institucionais da democracia, sentem-se à vontade para protagonizar toda sorte de absurdos.

De uma coisa Bolsonaro pode se orgulhar: ele realmente "endireitou" a imprensa...

ENCERRO
Acabou o chororô lamentoso... Tarcísio se mostrou, na tal CPAC ais candidato do que nunca. E o modo de fazê-lo foi prometendo fidelidade incondicional a Bolsonaro. Se a crença de que o outro pode ser candidato é falsa, a jura é verdadeira.

Fazer parte dessa patuscada revela uma natureza inelutável. Os colunistas neuróticos e as colunistas nervosas — o "extremismo de centro", vocês sabem — que gostariam de vê-lo como "um homem de centro" têm uma de duas saídas: ou desistem da empreitada e buscam outro nome ou perdem de vez o pejo — sinônimos: vergonha, pudor, acanhamento — e tiram do armário aquela camiseta verde-amarela...

Sempre se pode fazer um esforço para tentar provar que a nossa extrema-direita é melhor do que a dos outros, apesar da exaltação de cadáveres. Há até quem especule, com pedigree acadêmico e pés de barro do mais vagabundo proselitismo, que nem tentativa de golpe houve...

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É o modo de ser do "bolsonarismo moderado". Serve esse "centro"?

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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