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Federal Reserve parece perder o interesse pelo sofrimento dos desempregados

Paul Krugman

30/04/2011 01h15

No mês passado, mais de 14 milhões de norte-americanos encontravam-se desempregados segundo a definição oficial – ou seja, procuravam emprego, mas não conseguiam encontrar nada. Outros milhões estavam atolados em empregos do tipo “part-time”, ou de expediente reduzido, porque não conseguiram encontrar empregos de expediente integral. E não estamos nos referindo aqui a dificuldades temporárias. O desemprego de longo prazo, algo que antigamente era raro nos Estados Unidos, tornou-se uma coisa muito comum: mais de quatro milhões de norte-americanos estão sem emprego há pelo menos um ano.

Tendo em vista este quadro desolador, poderíamos ter esperado que o desemprego, e o que fazer em relação a este problema, fosse um dos principais tópicos da entrevista coletiva à imprensa concedida na última quarta-feira por Ben Bernanke, o presidente do Federal Reserve (o banco central dos Estados Unidos). E deveria de fato ter sido. Mas não foi.

Após a coletiva, a agência de notícias “Reuters” divulgou uma “nuvem de palavras” das observações feitas por Bernanke, uma representação visual da frequência com que ele utilizou várias palavras. A nuvem foi dominada pela palavra “inflação”. A palavra “desemprego”, em letras bem menores, estava meio escondida no fundo.

Essa ênfase equivocada não foi inteiramente culpa de Bernanke, já que ele estava respondendo a perguntas – e essas perguntas se concentraram mais na inflação do que no desemprego. Mas esse foco se constituiu, por si próprio, em um sintoma de como Washington perdeu o interesse pelo sofrimento dos desempregados. E o Federal Reserve de Bernanke, que deveria estar tomando uma atitude firme em relação a essas prioridades equivocadas, está, em vez disso, permitindo que o dirijam, de forma que a instituição siga o rebanho.

Algumas informações: o Federal Reserve normalmente assume a responsabilidade principal pelo gerenciamento econômico de curto prazo, usando a sua influência sobre as taxas de juros para esfriar a economia quando esta se torna demasiadamente aquecida, o que gera a ameaça de inflação, e para aquecê-la quando ela começa a esfriar demais, provocando um alto índice de desemprego. E o Federal Reserve sugeriu, de maneira mais ou menos explícita, aquilo que o banco considera o melhor resultado possível, nem muito quente nem muito frio: uma inflação anual de 2% ou um pouco menor, e um índice de desemprego de 5% ou um pouco maior.
Mas não há sinal de que tal cenário se materialize tão cedo. As últimas previsões do Federal Reserve, divulgadas na coletiva à imprensa, indicam uma baixa inflação e um desemprego elevado para o futuro visível.

É verdade que o Federal Reserve espera que a inflação deste ano fique um pouco acima da meta, mas Bernanke declarou (e eu concordo com ele) que nós estamos presenciando um inchaço temporário advindo dos preços mais altos das matérias primas; os índices da inflação subjacente permanecem bem abaixo da meta, e a previsão é que a inflação caia acentuadamente no ano que vem, e que permaneça em um patamar baixo pelo menos até o final de 2013.

Enquanto isso, conforme eu já fiz observar, o desemprego – embora menor do que o pico registrado em 2009 – continua devastadoramente elevado. E o Federal Reserve espera apenas uma pequena melhoria deste quadro, estimando que o desemprego no final de 2013 seja de aproximadamente 7%.

Tudo isso leva à conclusão clara de que são necessárias mais ações. Mas Bernanke deu a entender que fez tudo o que poderia fazer.
Por quê?

Ele poderia ter argumentado que carece da capacidade para fazer mais, e que ele e os seus colegas não têm mais muito poder sobre a economia. Mas ele não fez tal coisa. Ao contrário, ele argumentou que a política recente do Federal Reserve de comprar títulos de longo prazo, geralmente conhecida como “quantitative easing”, mostrou-se efetiva. Portanto, por que não fazer mais?

A resposta de Bernanke foi profundamente desalentadora. Ele declarou que mais expansão poderia levar a uma maior inflação.
O que precisamos ter em mente é que as próprias previsões do Federal Reserve disseram que nos próximos anos a inflação ficará bem abaixo da meta, de forma que um certo aumento da inflação seria na verdade um fato positivo, e não um motivo para evitar resolver o problema do desemprego. É claro que essas previsões poderiam estar erradas, mas elas poderiam errar tanto para cima quanto para baixo.

A única forma de entender a aversão de Bernanke a tomar qualquer medida em relação a esse problema é deduzir que ele tem um medo mortal de superar a meta de inflação, e ao mesmo tempo está muito menos preocupado quanto a errar para menos – mesmo que fazer muito pouco signifique condenar milhões de norte-americanos ao pesadelo do desemprego de longo prazo.

O que está se passando? A minha interpretação é que Bernanke está se deixando intimidar pelos inflacionistas: os indivíduos que veem a todo instante uma inflação galopante no horizonte e que não se abalam com o fato de errarem sempre nas suas previsões.

Ultimamente os inflacionistas disseram que a alta dos preços do petróleo se constitui em uma evidência a seu favor, ainda que – conforme o próprio Bernanke observou – esses preços nada tenham a ver com a política do Federal Reserve. A maneira como os preços do petróleo estão colorindo essa discussão levou o economista Tim Duy a sugerir, sarcasticamente, que a atual política básica do Federal Reserve é não fazer nada em relação ao desemprego “porque algumas pessoas no Oriente Médio estão buscando a democracia”.

Mas eu colocaria as coisas de uma forma diferente. Eu diria que a política do Federal Reserve consiste em não fazer nada em relação ao desemprego porque atualmente Ron Paul é o presidente da subcomissão de política monetária da câmara dos deputados.
Isso é um choque para quem acreditava na independência do Federal Reserve. E também para o futuro dos norte-americanos desempregados e cada vez mais desesperados.