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Discurso de republicano mostra como pensa a panelinha da ignorância nos EUA

O Capitólio, sede do Poder Legislativo dos EUA, é refletido em poça de água na calçada, em Washington - Karen BLEIER/AFP
O Capitólio, sede do Poder Legislativo dos EUA, é refletido em poça de água na calçada, em Washington Imagem: Karen BLEIER/AFP

14/02/2013 00h01

Na semana passada, Eric Cantor, líder da maioria na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, proferiu o que, segundo seu gabinete, seria um importante discurso político. E nós deveríamos ser gratos pelo alerta sobre a importância do discurso. Caso contrário, a leitura do discurso poderia ter sugerido que o deputado não estava oferecendo nada além de uma pobre e requentada coletânea de ideias obsoletas.

Para garantir, Cantor tentou parecer interessado em uma discussão política séria. Mas ele não foi bem-sucedido em sua empreitada – e isso não foi nenhum acidente. Pois, hoje em dia, o partido dele não gosta da ideia de aplicar o pensamento crítico e provas para elucidar questões políticas. E não, isso não é uma caricatura: no ano passado, o Partido Republicano do Texas condenou explicitamente os esforços destinados a ensinar “habilidades relacionadas ao pensamento crítico”, pois, segundo afirmou a agremiação, tais esforços “têm o propósito de contestar crenças já estabelecidas na cabeça dos estudantes e minar a autoridade dos pais”.

E, tal é a influência do que poderíamos chamar de panelinha da ignorância, que mesmo ao proferir um discurso destinado a demonstrar sua abertura a novas ideias, Cantor se sentiu obrigado a dar a essa panelinha uma mostra de sua concordância ao pedir a eliminação total do financiamento federal para as pesquisas científicas relacionadas a temas sociais. Pois certamente é um desperdício de dinheiro tentar compreender a sociedade que estamos tentando mudar.

Quer outros exemplos da panelinha da ignorância em atuação? Comece pelo sistema de saúde, uma área em relação à qual Cantor tentou não parecer anti-intelectual: ele elogiou as pesquisas médicas antes de atacar o apoio federal aos estudos relacionados a temas sociais. (A propósito: de quanto dinheiro estamos falando? Bem, todo o orçamento da National Science Foundation para os estudos de questões sociais e econômicas corresponde à cifra colossal de 0,01% do déficit orçamentário.)

Mas o apoio de Cantor às pesquisas médicas é curiosamente limitado. O político é totalmente favorável ao desenvolvimento de novos tratamentos, mas ele e seus colegas são terminantemente contra “a pesquisa de eficácia comparativa”, que visa a determinar o nível de eficácia desses tratamentos.

O que eles temem, é claro, é que as pessoas que administram o Medicare e outros programas do governo possam usar os resultados dessas pesquisas para determinar o que vale a pena pagar. Em vez disso, Cantor e seus colegas querem transformar o Medicare em um sistema de vales e deixar que as pessoas decidam sobre o tipo de tratamento desejam receber. Mas, mesmo que você acredite que essa é uma boa ideia (ela não é), como é que as pessoas vão conseguir fazer boas escolhas médicas se nós fazemos questão de garantir que elas não tenham ideia sobre que tipo de benefícios médicos – se é que eles existem – esperar de suas escolhas?

Ainda assim, o desejo de perpetuar a ignorância sobre temas médicos não é nada se comparado ao desejo de eliminar as pesquisas sobre as mudanças climáticas, nas quais os colegas de Cantor – em especial, por coincidência, colegas de seu estado natal da Virgínia – se envolveram em uma caça às bruxas furiosa contra os cientistas que encontram provas das quais eles não gostam. É verdade que o estado da Virgínia finalmente concordou em estudar o risco crescente das inundações costeiras. Norfolk está entre as cidades norte-americanas mais vulneráveis às alterações climáticas. Mas os republicanos do legislativo estadual proibiram especificamente o uso das palavras “aumento do nível do mar”.

E há muitos outros exemplos, como a tentativa dos republicanos da Câmara dos Deputados para suprimir um relatório do Serviço de Pesquisa do Congresso, que lança dúvidas sobre as afirmações relacionadas aos crescimento econômico mágico vinculado aos cortes de impostos para os mais ricos.

Promover ações como essa tem efeitos importantes? Bem, leve em consideração as agonizantes discussões relacionadas à definição da política sobre o controle de armas de fogo que se seguiram ao massacre de Newtown. Seria útil para essas discussões se tivéssemos uma boa compreensão dos fatos sobre as armas de fogo e a violência. Mas nós não temos, porque na década de 1990 os políticos conservadores, atuando em nome da National Rifle Association (Associação Nacional dos Rifles), intimidaram as agências federais para que elas abandonassem todas as pesquisas sobre o assunto. A ignorância deliberada também deve ser levada em conta.

OK, neste momento as convenções da sabedoria pedem que eu diga alguma coisa para demonstrar minha imparcialidade, algo ao do tipo “os democratas também fazem isso”. Mas, apesar de os democratas – que também são humanos – muitas vezes lerem as evidências de forma seletiva e escolherem acreditar nos fatos que os fazem sentir mais confortáveis, o Partido Democrata realmente não demonstra nenhuma atitude equivalente à hostilidade ativa dos republicanos em relação à obtenção de provas em primeiro lugar.

A verdade é que a divisão partidária que existe nos Estados Unidos vai muito além do que os pessimistas geralmente estão dispostos a admitir. Os partidos não se dividem apenas em relação a valores e visões políticas; eles se dividem em relação à epistemologia. Um lado acredita que deve, pelo menos em princípio, deixar seus pontos de vista sobre as políticas públicas ser moldado pelos fatos; o outro acredita que deve suprimir os fatos caso eles contradigam suas crenças estabelecidas.

Em sua despedida do Departamento de Estado, Hillary Rodham Clinton disse o seguinte sobre seus críticos republicanos: “Eles simplesmente se recusam a viver em um mundo baseado em evidências”. Ela estava se referindo especificamente à controvérsia sobre o atentado em Benghazi, mas seu ponto de vista aplica-se de maneira muito mais generalizada. E, apesar de toda a conversa sobre a reforma e a reinvenção do Partido Republicano, a panelinha da ignorância mantém um controle firme sobre os corações e mentes do partido.