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Medo ainda corrompe a maioria dos políticos internacionais

Thomas L. Friedman

Em Washington (EUA)

25/09/2012 00h01

Na quarta-feira (19), a líder democrática de Mianmar, Aung San Suu Kyi, esteve aqui e recebeu a Medalha de Ouro do Congresso em uma cerimônia no Capitólio. Eu não estive lá, mas li a transcrição e fiquei profundamente impressionado pelo tributo emocionado feito pelo senador John McCain, que agradeceu à "senhora por ensinar-me, na minha idade, algumas coisas sobre coragem". Ao encerrar, McCain citou a famosa frase de Aung San Suu Kyi, de que "não é o poder que corrompe, mas o medo. O medo de perder o poder corrompe os que o detêm, e o medo da praga do poder corrompe os que são submetidos a ele".

Eu adoro essa frase: não é o poder, mas o medo de perder o poder que corrompe. É profundamente verdadeiro e relevante hoje, quando tão poucos líderes ousam atirar a cautela e as pesquisas ao vento e dizer às pessoas a verdade sobre qualquer coisa dura ou controversa. Aung San Suu Kyi deu 20 anos de sua vida por seu país. Muitos líderes hoje não darão sequer um ciclo de notícias.

Vemos isso em todo lugar: os muçulmanos enfurecidos contra a embaixada dos EUA no Cairo por causa de um desprezível e juvenil vídeo antimuçulmano no YouTube - e o novo presidente egípcio, Mohamed Morsi, da Irmandade Muçulmana, no início se recusa a condená-los ou sequer proteger adequadamente a missão diplomática americana. Somente um telefonema furioso do presidente Barack Obama, que sem dúvida sugeriu que o Egito não receberia mais um centavo de ajuda estrangeira se Morsi não agisse, levou o líder egípcio a condenar o ataque. Autoridades da Irmandade Muçulmana "explicaram" que Morsi ficou dividido entre as exigências da diplomacia e não querer alienar sua base ou ser superado por muçulmanos salafistas ainda mais linha-dura. Desculpe, liderar é escolher. Não é um bom sinal.

Mas você sabe o que eles dizem sobre as pessoas em casas de vidro.... Em julho, a deputada Michelle Bachmann iniciou uma campanha espúria contra os muçulmanos no governo americano, incluindo um alto assessor da secretária de Estado, Hillary Clinton. Bachmann escreveu para os líderes das agências de segurança nacional dos EUA questionando se a Irmandade Muçulmana havia se infiltrado no governo federal. Tanto McCain como o presidente da Câmara, John Boehner, criticaram Bachmann por sua caça às bruxas de inspiração política -mas não Eric Cantor, o líder da maioria na Câmara. O ambicioso Cantor viu uma oportunidade de conseguir uma pequena vantagem política com a base republicana, contra seu rival Boehner, e disse a Charlie Rose da CBS News que devíamos entender Bachmann: "Eu acho que sua preocupação foi com a segurança do país". Sim, certo, Cantor, e suponho que isso também era tudo o que preocupava o senador Joe McCarthy.

O primeiro-ministro Bibi Netanyahu, de Israel, vem exigindo em alta voz que os EUA tracem publicamente uma "linha vermelha" em relação ao programa nuclear do Irã que delinearia exatamente quando os EUA lançariam um ataque contra Teerã. Bibi é um Winston Churchill quando se trata de exigir que os EUA tracem linhas vermelhas, mas é um líder partidário local quando os EUA lhe pedem para traçar uma "linha verde" limitando onde os assentamentos judeus na Cisjordânia vão parar e um Estado palestino poderá começar. "Oh, não! Não posso fazer isso", diz Bibi às autoridades americanas. "Eu perderia minha coalizão." Então os EUA devem se arriscar a uma guerra com o Irã, mas Bibi não arrisca nada em promover um acordo com os palestinos que poderia criar um pouco mais de legitimidade e simpatia globais por Israel, e os EUA, no caso de uma guerra com o Irã. Muito obrigado.

Obama cometeu todos os erros do manual ao tentar negociar uma "grande barganha" sobre impostos e gastos no ano passado com Boehner. Mas eu sempre tive uma pergunta: Boehner disse que se afastou depois que Obama, na última hora, pediu mais US$ 400 bilhões em impostos para atrair mais democratas. Por que Boehner simplesmente se afastou, e não chamou Obama e disse: "Aqui está o meu acordo - não mais US$ 400 bilhões - pegue o acordo original ou deixe-o". Ele não fez isso porque teve medo que Obama pudesse aceitá-lo - e Boehner sabia que não poderia entregar sua base do Tea Party ou perderia a presidência tentando. Por isso não tentou.

Quanto a Obama, ele esteve em seu melhor momento quando ousou liderar sem temer a política: eliminando Osama bin Laden, garantindo o seguro-saúde sem uma opção pública, correndo até o topo na educação e salvando os bancos em vez de atirar todos os banqueiros na prisão, o que eles mereciam. E ele teve seu pior momento quando colocou a política em primeiro lugar: ao rejeitar Simpson-Bowles, dobrar a aposta no Afeganistão por medo de ser chamado de fraco e retirar a "mudança climática" de seus discursos.

Minhas vísceras me dizem que esse déficit de liderança global não pode durar. Por um lado, o mundo está ficando tão interdependente que a liderança fraca em um país hoje impacta profundamente muitos outros. Veja a crise do euro, Israel-Irã ou a poluição chinesa. E, de outro, não acredito que as duas forças disciplinadoras mais poderosas do planeta - o mercado e a Mãe Natureza -ficarão inativos por mais uma década e nos deixarão continuar criando esses enormes déficits financeiros e superávits de carbono sem um dia entregar alguns golpes punitivos que vão exigir uma liderança hercúlea para enfrentá-los.

Por isso vamos honrar a senhora de Mianmar, não apenas com uma medalha, mas de uma maneira que realmente importa - imitando-a.