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O jeito iemenita

Thomas L. Friedman

Em Saana (no Iêmen)

14/05/2013 00h01

Sanaa, Iêmen – Se você quer saber o quão ruins as coisas podem ficar na Síria, analise o caso do Iraque. Se você quer saber como as coisas poderiam ter sido melhores, analise o caso do Iêmen. O quê? O Iêmen?

Sim, o Iêmen. Talvez o processo político pós-revolucionário mais original que tem se desenrolado atualmente entre os países que passaram pela Primavera Árabe esteja acontecendo no Iêmen, uma nação pobre, dividida e castigada pela seca.

À sua própria maneira confusa, o Iêmen está fazendo o que todos os outros países que participaram da Primavera Árabe não conseguiram realizar: promover um diálogo nacional amplo e sério, no qual as diversas facções políticas, os novos partidos, os jovens, as mulheres, os islâmicos, as tribos, os habitantes do norte e do sul do país estão, literalmente, se apresentando uns aos outros durante seis meses de negociações – antes de escreverem uma nova Constituição e realizarem eleições presidenciais. (Após décadas de autocracia, os habitantes desses países não conheciam uns aos outros.)

Isso é o que o Egito certamente não conseguiu fazer de maneira séria antes de sair correndo e realizar suas eleições presidenciais, que deixaram muitas pessoas se sentindo marginalizadas e fizeram os radicais islâmicos perderem o controle da política.

Uma das coisas mais importantes que o presidente Barack Obama poderia fazer para ajudar o avanço da Primavera Árabe seria saudar publicamente a abordagem do Iêmen. Sim, as chances de sucesso do país ainda estão muito, muito distantes – os efeitos de 50 anos de superexploração da água e do solo do Iêmen poderiam desnortear até mesmo os políticos mais heroicos –, mas o que os iemenitas estão fazendo constitui a única maneira pela qual um país que experimentou a Primavera Árabe pode ter esperanças de realizar uma transição estável rumo à democracia.

Os 565 delegados que estão participando do diálogo nacional no Iêmen – iniciado no dia 18 de março passado – têm a tarefa de formular recomendações sobre como lidar com nove questões, que vão desde o estabelecimento de relações futuras para solucionar o conflito entre a região norte e a região sul do país para a construção de um Estado até o papel futuro do exército em relação aos direitos e liberdades dos cidadãos – e todos esse temas farão parte da redação de uma nova Constituição e da realização de eleições em fevereiro de 2014.

“No começo, era muito difícil”, disse Yahia Al-Shaibi, ex-ministro da Educação do país, que está participando do diálogo. Segundo ele, “depois de um tempo, as coisas começaram a ficar calmas, as pessoas se sentavam juntas, comiam juntas e nós conseguimos visualizar nossos diferentes pontos de vista. Agora nós conseguimos ouvir o que os outros têm a dizer. Estamos começando a ouvir uns aos outros e a tentar chegar a um consenso.”

O diálogo oficial estimulou o estabelecimento de um diálogo não oficial ainda mais amplo. As páginas do Iêmen no Facebook e os feeds do país no Twitter explodiram com debates sobre política, direitos das mulheres e o exército. Depois de décadas sendo silenciados, todos os iemenitas querem falar agora.

As mulheres compõem um terço dos delegados participantes do diálogo, e os homens estão tendo que se adaptar. Um conselheiro norte-americano que está auxiliando na implantação da democracia no país me contou a seguinte história: “nós percebemos que as mulheres que têm atuado como membros do diálogo geralmente vêm preparadas e chegam na hora certa para as reuniões. Durante os diálogos, não há lugares marcados e, por isso, às vezes elas se sentam na primeira fila. No outro dia, um líder tribal chegou atrasado e foi até um dos assentos da primeira fileira, que já estava ocupado por uma mulher, e disse: esse lugar é meu. E ela respondeu: não, não é.”

O diálogo é possível devido à maneira gradual (e confusa) que a Primavera Árabe se desenrolou no Iêmen. Tudo começou em 2011, com protestos liderados por jovens e que avançaram para uma situação de quase guerra civil e desintegração do governo, até que o então presidente Ali Abdullah Saleh entregou o poder a um governo de transição.

O partido de Saleh e seus aliados, juntamente com o maior bloco de oposição, o Islah, a Irmandade Muçulmana do Iêmen, mantiveram sua influência no cenário político do país. No Iêmen, não ocorreu uma “des-Baathificação” nem uma “des-Mubarakização”, mas sim uma situação sem vitoriosos nem derrotados.

Nenhum partido foi totalmente “derrotado”, disse o vice-ministro das Relações Exteriores do país, Mohy al-Dhabbi. O novo governo concedeu a todos uma participação na transição para a democracia e “permitiu que todos fizessem concessões”.

O novo governo também deu tempo para que as mulheres e os jovens que começaram a revolução “se envolvessem politicamente antes das eleições”, acrescentou Aidrous Bazara, empresário que está participando do diálogo. Agora, nenhum partido “será capaz de roubar” a revolução, disse ele.

Esse cenário foi reforçado pela recente decisão do novo presidente do Iêmen, Abdu Rabbu Mansour Hadi, de profissionalizar o exército, começando pelo expurgo dos parentes de Saleh da agência de inteligência iemenita e da Guarda Republicana de elite.

Para os membros da National Rifle Association (Associação Nacional dos Rifles) dos Estados Unidos, o Iêmen seria o paraíso na Terra. Parece que cada homem iemenita possui uma arma e muitos andam pelas ruas com punhais presos a seus cintos. Ainda assim, este país poderá acabar por realizar o mais amplo diálogo pós-Primavera Árabe com poucas baixas relativamente – pelo menos até o momento. E aqui fica um lembrete para os rebeldes da Síria: talvez sejam necessárias armas mais potentes para derrubar seu ditador. Mas, sem uma cultura de inclusão, tudo será em vão.

Jamila Rajaa, que está participando do diálogo, me disse que ainda se preocupa com o fato de que alguns partidos da velha guarda, incluindo a Irmandade Muçulmana, estão felizes em deixar o diálogo distrair o país enquanto trabalham febrilmente nas ruas para atrair votos --na tentativa de ganhar a eleição para dominar o próximo governo. Algumas mulheres iemenitas mais modernas veem como a Irmandade Muçulmana tem governado o Egito – e suas políticas em relação às mulheres –, e querem que os islamitas do Iêmen mudem sua mentalidade antes de assumirem o poder no país.

Todas essas questões fazem parte do diálogo – e é por isso que tem sido muito difícil levá-lo adiante, e por isso ele tem que ser bem sucedido. Caso contrário, como alertou um recente relatório do Institute of Peace (Instituto de Paz) dos Estados Unidos: “O Iêmen corre o risco de cair novamente no conflito aberto”. A boa notícia é que, por enquanto, um grande número de iemenitas realmente quer dar uma chance à política. Você tem que torcer por eles.