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Relações entre EUA e China são de importância vital para o mundo

Thomas L. Friedman

16/04/2015 00h03

Enquanto as relações entre Estados Unidos e Irã atualmente monopolizam toda a atenção, e elas são de importância vital para o futuro do Oriente Médio, as relações entre os Estados Unidos e a China são de importância vital para o mundo –e há mais ocorrendo aqui do que parece. O conceito de "um país, dois sistemas" foi inventado para descrever a relação entre Hong Kong e a China continental.

Mas aqui está a verdade: as economias americana e chinesa e seus futuros estão agora totalmente interligados, de modo que são o verdadeiro "um país, dois sistemas" a ser observado. E, após estar recentemente na China para participar do grande Fórum Boao na Ilha de Hainan, e ouvir o presidente Xi Jinping falar, o que chama a atenção é o quanto cada lado nesse relacionamento parece estar perguntando ao outro: "O que há com você?".

Ambos os países quase tomam como certo os laços que os unem: os US$ 600 bilhões em comércio bilateral por ano; os 275 mil chineses que estudam nos Estados Unidos e os 25 mil americanos que estudam na China; o fato de a China agora ser o maior mercado agrícola dos Estados Unidos e a maior detentora de títulos da dívida americana; e o fato de que, no ano passado, o investimento chinês nos Estados Unidos superou pela primeira vez o investimento americano na China.

Mas cave para ver o que há por baixo e você encontrará dois sistemas cada vez mais perplexos um com o outro. As autoridades chinesas ainda não superaram seu choque profundo diante de como os Estados Unidos –um país que pegaram como modelo econômico e o lugar onde muitas delas aprenderam sobre o capitalismo– conseguiram se tornar tão imprudentes a ponto de provocar a crise global das hipotecas de alto risco em 2008, que deu origem à conversa na China de que os Estados Unidos é uma superpotência em declínio.

As autoridades chinesas também ficaram perplexas com o esforço da equipe do presidente Barack Obama de resistir à criação pela China de um Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, fazendo lobby junto a nossos maiores aliados econômicos –Coreia do Sul, Austrália, França, Alemanha, Itália e Reino Unido– para não participarem. Enquanto o secretário do Tesouro, Jack Lew, continuava destacando publicamente, de modo responsável, que a única preocupação americana era que o banco operasse de acordo com os padrões internacionais, outras autoridades de Obama pressionavam ativamente os aliados americanos a ficarem de fora. Com exceção do Japão, todos esnobaram Washington e se juntaram ao banco liderado pelos chineses. O episódio todo apenas empoderou os linhas-duras em Pequim, que argumentam que os Estados Unidos apenas querem manter a China em inferioridade e não podem aceitá-la como acionista.

Os americanos, por sua vez, perguntam sobre Xi: "O que há com você?". A campanha anticorrupção de Xi claramente visa combater a maior ameaça ao sistema de partido único: perder sua legitimidade devido à corrupção desenfreada. Mas ele também parece estar eliminando rivais políticos potenciais. Xi assumiu um maior controle sobre as Forças Armadas, sobre as alavancas do poder político e econômico na China, mais que qualquer outro líder desde Mao. Mas para que fim –reformar ou permanecer o mesmo?

Xi está "acumulando poder para manter a supremacia do Partido Comunista", argumentou Willy Wo-Lap Lam, autor de "Chinese Politics in the Era of Xi Jinping: Renaissance, Reform or Retrogression?" (A política chinesa na era de Xi Jinping: Renascença, reforma ou retrocesso?, em tradução livre). Xi "acredita que um motivo por trás do colapso da União Soviética foi o partido ter perdido o controle sobre o Exército e a economia". Mas Xi parece mais focado em como a União Soviética ruiu do que em como os Estados Unidos foram bem-sucedidos, e isso não é bom.

Sua repressão não se limita à corrupção, que está impedindo muitas autoridades de tomar quaisquer grandes decisões, mas até mesmo as formas mais brandas de dissensão. Livros didáticos estrangeiros usados por universidades estão sendo censurados, e blogs e buscas nos principais sites de internet da China nunca foram tão controlados. Nem pense em usar o Google ali ou ler jornais ocidentais online.

Mas, ao mesmo tempo, Xi deu início a um imenso esforço de "inovação", para transformar a economia da China de apoiada na manufatura e montagem em uma de trabalho de uso intensivo de conhecimento, de modo que esta geração de um só filho possa arcar em cuidar de dois pais aposentados em um país com uma rede de seguro social inadequada.

A propósito, repressões não tendem a produzir start-ups.

Como Antoine van Agtmael, o investidor que cunhou o termo "mercados emergentes", me disse: a China está tornando mais difícil inovar na China precisamente quando os custos trabalhistas na China estão subindo e a inovação está aumentando na América, estimulando mais empresas a construírem sua próxima fábrica nos Estados Unidos, não na China.

Essa combinação de energia barata nos Estados Unidos e inovação mais flexível e aberta –onde universidades e novas empresas compartilham poder de inteligência para empregar as descobertas; onde o setor manufatureiro usa uma nova geração de robôs e impressoras 3D que mais produção se torne local; e onde novos produtos integram sensores conectados sem fio a novos materiais para se tornarem mais rápidos e inteligentes do que nunca– está tornando os Estados Unidos, segundo Van Agtmael, "no próximo grande mercado emergente".

"É uma mudança de paradigma", ele acrescentou. "Os últimos 25 anos envolveram quem podia fazer as coisas mais barato, e os próximos 25 anos serão sobre quem pode fazer as coisas de forma mais inteligente."

Xi parece estar apostando que a China é grande e inteligente o bastante para coibir a internet e o discurso político o suficiente para impedir a dissensão, mas não o suficiente para sufocar a inovação. Essa é a maior aposta no mundo no momento. E, se ele estiver errado (e tenho dúvidas), nós todos sentiremos.