Topo

Será que nós não temos vergonha?

17/08/2012 00h01

Durante uma recente série de eventos noturnos em Bolonha, organizados pelo jornal italiano “La Repubblica”, eu participei de um debate sobre o conceito de reputação. Em certa época as reputações podiam ser apenas boas ou ruins, e quando a reputação de um indivíduo era arruinada – devido a uma falência, por exemplo, ou por causa de um boato de que a mulher dele o estaria traindo –, ele poderia reagir drasticamente, a ponto de se suicidar ou de cometer um crime passional. Naturalmente, todo mudo desejava ter uma boa reputação.

Mas, há algum tempo, a ênfase na reputação vem dando lugar a uma valorização da notoriedade. O que importa é ser “reconhecido” pelas outras pessoas. E eu não estou falando de reconhecimento no sentido de estima ou prêmios, mas sim naquele sentido mais banal, segundo o qual as pessoas que veem um indivíduo na rua podem dizer, “Vejam só, é realmente ele!”. A questão fundamental é ser visto por muita gente, e a melhor forma de fazer isso com que isso ocorra é aparecer na televisão. Não é necessário ser um ganhador do Prêmio Nobel nem um primeiro-ministro. Tudo o que é preciso é confessar em um programa de televisão melodramático que o seu parceiro o traiu.

Na Itália, pelo menos, os primeiros heróis deste gênero foram aqueles idiotas que se colocavam atrás de pessoas que estavam sendo entrevistadas e acenavam para a câmera. Isso pode tê-los ajudado a serem reconhecidos na noite seguinte em um bar (“Eu vi você na televisão!”), mas esse tipo de fama não dura muito tempo. Portanto, passou a haver gradualmente a aceitação do fato de que, para que um indivíduo aparecesse de forma mais frequente e proeminente, seria necessário que ele fizesse coisas que, no passado, teriam arruinado a reputação de qualquer pessoa. Não é que as pessoas não desejem mais ter uma boa reputação. O que ocorre agora é que ficou bastante difícil obtê-la. O indivíduo precisaria protagonizar algum ato de heroísmo, ganhar algum prêmio literário importante ou passar a vida inteira cuidando de leprosos. E tais façanhas não estão ao alcance da maioria das pessoas. É mais fácil tornar-se objeto do interesse popular – especialmente no que se refere à variedade mórbida de interesse – dormindo com uma celebridade ou sendo acusado de corrupção.

E eu não estou brincando. Como prova disso, peço que vocês observem o ar de orgulho do extorsionário ou do estelionatário que aparece no noticiário da TV após ter sido preso: esses momentos de exposição e notoriedade compensam o sacrifício de uma curta detenção, e é por isso que os acusados frequentemente sorriem diante das câmeras. Faz muitas décadas que nenhum indivíduo tem a vida pessoal arruinada por ter aparecido publicamente algemado.

Foi sobre esse tipo de coisa que nós conversamos no evento do “La Repubblica”, a questão da reputação. No dia seguinte, eu me deparei com um longo artigo publicado na imprensa italiana intitulado “Vergonha Perdida” - um exemplo de uma série de livros que vêm sendo publicados com títulos como “Vergonha: A Metamorfose de uma Emoção” e “Sem Vergonha”. Portanto, ao que parece, a questão da perda da vergonha está presente em diversas reflexões de pensadores contemporâneos.

Mas será que esse desejo frenético de ser visto – e de obter notoriedade a qualquer preço, mesmo se para isso for necessário fazer alguma coisa vergonhosa – é derivado da perda de vergonha, ou o que acontece é o oposto? A nossa sensação de vergonha teria sido perdida porque nos dias de hoje é mais importante ser visto pelos outros, mesmo que isso signifique perder a honra? Eu me inclino para a segunda hipótese. Atualmente ser visto pelos outros e de ser o assunto de conversas é algo tão valorizado que as pessoas estão preparadas a abrir mão daquilo que no passado se chamava decência (isso para não falar da guarda protetora da privacidade própria).

O autor de “Vergonha Perdida” também chamou atenção para outro exemplo de falta de vergonha: muita gente fala em voz alta ao telefone celular dentro de um veículo de transporte coletivo, permitindo que todos tomem conhecimento das suas questões particulares – ou seja, aquele tipo de informação que costumava ser sussurrada, e não amplamente divulgada. Não é que as pessoas não percebem que os outros podem escutá-las, o que faria com que elas fossem apenas mal-educadas. Na verdade, o que ocorre é que elas desejam subconscientemente ser escutadas, mesmo que as suas questões particulares sejam bastante insignificantes. Mas elas acham que, como nem todo mundo pode ter questões particulares interessantes, talvez baste ser visto e escutado por todos para compensar essa deficiência.

Eu li que um movimento eclesiástico está defendendo um retorno das confissões públicas. Faz sentido: qual é a graça de revelar a sua vergonha a um único confessor se você poderia revelá-la publicamente para as massas?