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Uma teoria de conspirações e seus perigos

Algumas teorias sustentam que George W. Bush planejou o colapso das torres gêmeas para justificar uma invasão ao Iraque - Doug Mills/AP
Algumas teorias sustentam que George W. Bush planejou o colapso das torres gêmeas para justificar uma invasão ao Iraque Imagem: Doug Mills/AP

04/10/2014 00h05

Massimo Polidoro, um dos membros mais ativos do CICAP - o Comitê Italiano para o Controle dos Fenômenos Paranormais - publicou recentemente "Revelações: O Livro dos Segredos e Conspirações" (em tradução livre), a mais recente edição de seu vasto corpo de trabalho dedicado a histórias absurdas e altamente improváveis que circulam nos meios de massa e entre o público. Com um título tão atraente, parece que Polidoro esperava atrair entusiastas de todo tipo de segredos. Como escreveu John Chadwick, que decifrou a escrita grega antiga conhecida como Linear B, "o impulso para descobrir segredos está profundamente enraizado na natureza humana; mesmo a mente menos curiosa é estimulada pela perspectiva de compartilhar o conhecimento oculto aos outros".

É claro, há uma grande diferença entre esclarecer um texto secreto que era inteligível para as pessoas há muito tempo atrás, e acreditar em "segredos" como os americanos nunca pousaram na Lua, que os ataques do 11 de Setembro foram planejados pelo então presidente George W. Bush ou que "O Código Da Vinci" é realmente uma obra de não ficção. Mas é precisamente aos membros deste segundo grupo que Polidoro dedica sua obra. Seu estilo afável de escrita pode inicialmente manter a esperança dos leitores de que cada comichão conspiratório será coçado. Mas no final, Polidoro diz que as supostas conspirações por trás do assassinato de John F. Kennedy, do verdadeiro fim de Adolf Hitler e o casamento de Jesus com Maria Madalena são nada mais que boatos falsos.

Por que as mentiras são bem-sucedidas? Porque elas parecem oferecer explicações de formas que têm apelo para pessoas que sentem que lhes foi negada informação importante. Em seu livro mais recente, Polidoro cita a obra de Karl Popper, um filósofo da ciência que estudou a teoria social da conspiração - a ideia de que muitas conspirações são de fato construções sociais. Popper escreveu em "A Sociedade Aberta e Seus Inimigos" (1962) que algumas conspirações existem, é claro, "mas o impressionante fato que, apesar de sua ocorrência, repele a teoria da conspiração é que poucas dessas conspirações chegam por fim a ser bem-sucedidas. Raramente os conspiradores consumam suas conspirações".

Polidoro também aponta para a obra de Richard Hofstadter, um historiador que analisou os teóricos de conspiração pelo prisma da psiquiatria. Em um artigo de 1964 na "Harper's Magazine", Hofstadter usou o termo "paranoide" para ressaltar como o conspiracionista "vê a conspiração em termos apocalípticos - ele transita entre o nascimento e a morte de mundos inteiros, ordens políticas inteiras, sistemas completos de valores humanos". Hofstadter prossegue: "Ele está sempre atrás das barricadas da civilização. Ele vive constantemente no ponto da virada".

Agora, Hofstadter usou a palavra "paranoide" não em um sentido clínico, mas como um recurso retórico. A pessoa clinicamente paranoide acha que os outros estão tramando pessoalmente contra ela, enquanto a pessoa socialmente paranoide acredita que poderes ocultos estão perseguindo sua classe, sua nação, sua religião. Eu argumentaria que a segunda é mais perigosa, porque ela vê sua situação aflitiva como sendo uma compartilhada - talvez por milhões de outras pessoas. Isso valida sua paranoia e lhe parece explicar eventos atuais e históricos.

Na teoria, a ideia de que o mundo é cheio de conspiracionistas pode não nos incomodar: se, por exemplo, algumas pessoas acreditam que os americanos nunca pousaram na Lua, então é apenas problema delas. Mas, na verdade, essa desinformação pode ter consequências abrangentes. Em um estudo publicado no ano passado no "British Journal of Psychology", Daniel Jolley e Karen Douglas descobriam que a exposição a teorias de conspiração diminui a probabilidade de a pessoa se envolver no processo político, em comparação com alguém que é exposto a informação que refuta teorias de conspiração.

Na prática, se eu encontrar uma pessoa convencida de que os assuntos mundiais são orquestrados pela Illuminati, pelos Bilderbergers ou outra sociedade secreta, o que eu faço a respeito? Eu desisto - e me preocupo. Toda teoria de conspiração desvia a psique pública para perigos imaginários, assim as distraindo das ameaças genuínas. Como Noam Chomsky já sugeriu, talvez o maior beneficiário de uma teoria de conspiração extravagante seja a própria pessoa ou instituição que a teoria visava atacar inicialmente. Imagine, por exemplo, que em 2003, a teoria de que Bush planejou o colapso das torres gêmeas para justificar uma invasão ao Iraque foi suficiente para distrair algumas pessoas a ponto de pararem de se perguntar sobre os verdadeiros motivos por trás da guerra.

Tudo isso pode nos levar a suspeitar que o próprio Bush deu início aos rumores sobre seu suposto envolvimento nos ataques do 11 de Setembro. Mas não poderíamos ter uma mentalidade tão conspiracionista.

(Umberto Eco é autor dos best-sellers internacionais "Baudolino", "O Nome da Rosa" e "O Pêndulo de Foucault", entre outros)