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Asteroide ou estrela cadente: o que acontecerá com carro mandado para Marte

Divulgação/SpaceX
Imagem: Divulgação/SpaceX

Fernando Cymbaluk

Do UOL, em São Paulo

20/02/2018 04h00

O Tesla Roadster, carro elétrico lançado na direção de Marte pela empresa SpaceX, tem pela frente a viagem mais longa já feita por um veículo comercial. A estrada é uma grande curva – uma elipse em torno do Sol. Mudanças de rota devem ocorrer sempre que o carro passar um pouco mais perto de um planeta.

Em milhões de anos de jornada, estão previstas tempestades de radiação cósmica, mas são baixíssimos os riscos de colisão com asteroides ou planetas como a Terra --cerca de 6% de chance. Se isso ocorrer, o Tesla poderá se tornar uma estrela cadente no céu do planeta.

Parece fascinante para um carro o destino algo semelhante ao de um asteroide. Mas do ponto de vista da física e da astronomia, a viagem do Tesla é bastante prosaica e um tanto monótona.

A órbita de um asteroide

O foguete Falcon Heavy, antes de voltar com seus propulsores para a Terra -- um deles, o central, caiu no mar --, empurrou o Tesla Roadster vermelho em direção a Marte. Contudo, a gravidade do Sol muda essa trajetória.

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Atraído pela estrela, o Tesla adotará uma órbita elíptica em torno do Sol. "Uma característica de todo asteroide é orbitar o Sol", diz o astrônomo Gustavo Rojas, da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos). O Tesla deve alcançar uma distância com relação ao Sol equivalente à do cinturão de asteroides –região entre Marte e Júpiter. Assim, completará uma volta em torno da estrela mais ou menos a cada cinco anos.

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O carro viaja no vácuo, e não há freio que funcione nessa situação. Uma batida é a única coisa que pode fazê-lo parar agora.

O carro irá cruzar repetidas vezes com as órbitas dos planetas Vênus, Terra e Marte. O Starman -- boneco sentado no lugar do motorista do Tesla – verá pela janela uma constante paisagem de céu estrelado.

A interação gravitacional desses planetas com o veículo levará a novos redirecionamentos. Dessa forma, a órbita do carro ganha uma configuração caótica e aleatória, que pode colocá-lo em direção a uma colisão. 

Há chance de colisão com a Terra? Sim, existe, mas é pequena. De cerca de 6%, segundo cálculos dos cientistas.

Simulações para determinar o destino do Tesla feitas por especialistas em dinâmica orbital mostram que a primeira "fina" que o carro vai tirar da Terra ocorrerá em 2091. Depois, e por milênios, ocorrerão outras chances de colisão.

"As repetidas aproximações levam a uma caminhada aleatória", diz o artigo da equipe liderada por Hanno Rein, da Universidade de Toronto, explicando a dificuldade de mapear com exatidão a trajetória do Tesla.

Como asteroides e planetas, além do movimento de translação em torno do Sol, o Tesla possui um movimento de rotação. Cálculos feitos a partir do brilho do Tesla no espaço indicam que ele completa uma volta em torno de si mesmo a cada 5 minutos. Informações como essas são valiosas, já que teremos poucas notícias do Tesla ao longo da viagem. "O carro não tem equipamento de comunicação com a Terra, logo não vai dar mais para enxergar ele. Será perdido", diz Rojas.

Heavy Falcon - Tesla Roadster - Divulgação - Divulgação
O Tesla Roadster vermelho (e seu "piloto") enviado ao espaço pelo Falcon Heavy
Imagem: Divulgação

Choque com um asteroide

Um percalço de viagem que o Tesla pode sofrer é a colisão com um asteroide. A possibilidade, porém, é pequena. "O cinturão de asteroides é gigantesco. Tem muitos asteroides, mas em um volume maior que o da órbita da Terra", explica Rojas.

Ou seja, não há previsão de que o Tesla pegue tempestades de pedregulhos em sua jornada -- como essas que vemos em filmes como Star Wars. "Quando os cientistas enviam sondas para outros planetas, corre-se o mesmo risco", compara o astrônomo. 

A estrada é relativamente segura, mas uma batida contra um objeto pequeno – como um pequeno asteroide -- causaria "perda total" no Tesla por conta da velocidade.

Caso o risco de batidas com asteroides fosse considerável, investimentos de grande magnitude feitos por agências espaciais ou por clientes de empresas de foguetes como a SpaceX poderiam se mostrar inviáveis.

A sonda Cassini-Huygens, por exemplo, chegou a Saturno em 2004 após sete anos viajando pelo espaço (sua missão com um mergulho no gigante dos anéis no ano passado), custou às agências espaciais dos EUA e da Europa cerca de US$ 3,27 bilhões. A SpaceX quer cobrar US$ 90 milhões para lançar coisas no espaço como fez com o Tesla.

Last pic of Starman in Roadster enroute to Mars orbit and then the Asteroid Belt

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De carro de luxo à lata velha

Ao que tudo indica, o Tesla orbitará o Sol por milhões de anos. Mas logo deixará de ser um possante carro elétrico para se tornar uma lata velha e quebrada. A radiação do sol irá detonar a pintura, o estofamento e o circuito elétrico.

Isso porque, viajando no espaço, o carro deixa de contar com a proteção do escudo magnético e da atmosfera da Terra. Assim, estará sob constante tempestade de ventos solares e raios cósmicos de alta energia. Essa radiação cósmica quebra as ligações entre as moléculas de compostos orgânicos -- que estão presentes nas partes de plástico e fibras do veículo.

Em não mais do que um ano, tudo que não for metal já estará bastante deteriorado. 

Tesla Roadster - Elon Musk/Instagram - Elon Musk/Instagram
Tesla Roadster tem a frase "feito na Terra por humanos" em seus circuitos internos
Imagem: Elon Musk/Instagram

De “cobaia” a estrela cadente

“Feito na Terra por humanos” é a frase gravada na placa de circuitos do Tesla Roadster que viaja a bordo do Falcon Heavy. O lançamento do Tesla Roadster chamou a atenção do mundo todo para uma fenomenal jornada que poderá durar milhões de anos. Mas para que serve lançar um carro no espaço?

A resposta é simples. O lançamento do Tesla serviu para testar se o foguete Falcon Heavy consegue lançar com sucesso na direção de Marte algo do peso do carro – além de checar se funcionam os propulsores que voltam para a Terra. Claro, também serviu como uma grande propaganda da Tesla, da SpaceX e dos feitos do dono das empresas, o megaempresário Elon Musk.

"Todas as agências espaciais fazem testes com carga morta de veículos lançadores. Usam algo com a massa parecida com a de um satélite para ver se conseguem lançar aquilo na órbita desejada", exemplifica Rojas.

Apesar da chance de 6% do Tesla, em algum momento, voltar para a Terra tal qual um boomerangue, o teste não ameaça a Terra. Caso caia em nosso planeta, a atmosfera terrestre desintegraria o carro. No fim da viagem, o Tesla viraria uma estrela cadente.