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Josias de Souza

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Em processo de autocombustão, Ricardo Salles queima o general Luiz Ramos

Marcelo Camargo/Agência Brasil; Antonio Cruz/Agência Brasil
Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil; Antonio Cruz/Agência Brasil

Colunista do UOL

03/06/2021 16h00

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Acusado de favorecer madeireiros pilhados pela Polícia Federal na maior apreensão de madeira ilegal da história, o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) entregou defesa por escrito à Procuradoria-Geral da República. Não apresentou elementos capazes de extinguir a autocombustão que devasta sua reputação. E ainda arrastou para o centro da fogueira o ministro-chefe da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos, chamado por ele no ano passado de "Maria fofoca".

Salles alega em sua defesa que recebeu madeireiros encrencados com a Polícia Federal um par de vezes, no último mês de março. Primeiro a pedido do senador Telmário Mota, que lhe foi enviado pela "assessoria da Casa Civil", chefiada à época pelo general Braga Netto, deslocado para o posto de ministro da Defesa. Depois, por "solicitação feita pessoalmente pelo então ministro-chefe da Secretaria de Governo, hoje ministro-chefe da Casa Civil, general de Exército Luiz Eduardo Ramos."

Não ocorreu a nenhuma das autoridades que abriam as portas dos gabinetes de Brasília para os investigados conversar com o investigador, o delegado Alexandre Saraiva, que comandava na época a Superintendência da PF no Amazonas. Segundo Salles, a madeira apreendida estava retida "há mais de 100 dias", sem que os empresários pudessem "exercer sua defesa".

Salles tomou as dores dos investigados. Posou ao lado das toras apreendidas. Defendeu a legalidade da extração que a PF sustenta ser ilegal. O delegado Saraiva protocolou no Supremo uma notícia-crime na qual acusa Salles de obstruir investigações e fazer advocacia administrativa em favor dos madeireiros, Agora, o ministro é a estrela de inquérito que acaba de ser aberto na Suprema Corte pela ministra Cármen Lúcia. Noutro inquérito, conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, Salles é investigado num caso de contrabando de madeira para os Estados Unidos.

Por meio de nota, o general Ramos alega que a Secretaria de Governo, chefiada por ele na época dos encontros com madeireiros, tem entre suas atribuições "articular audiências" solicitadas por outros Poderes ou "instituições externas". Diz ter intermediado o encontro com os investigados a "pedido de parlamentares de Roraima", estado onde a madeira estava retida. Na sua defesa, além de chamuscar o general, Salles anotou que participaram dos encontros representantes do Ministério da Justiça e da própria PF.

É como se o ministro encrencado desejasse compartilhar seu suplício com o resto do governo. Como peça de defesa, o documento entregue à Procuradoria por Salles é frágil. Mas o detalhamento oferecido pelo investigado, empurrando o Planalto para dentro da fogueira, ajuda a explicar por que Bolsonaro mantém no comando do Meio Ambiente um personagem crivado de suspeições. Ao tomar as dores dos madeireiros, Salles apenas deu consequência à política antiambiental colocada em prática desde que Bolsonaro assumiu a Presidência, em 1º de janeiro de 2019.