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Barra Torres humilha Bolsonaro e reduz ainda mais o tamanho de Queiroga
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Um dos efeitos colaterais da nota pública divulgada pelo presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, pedindo coragem para que Jair Bolsonaro prove as acusações que fez contra ele e o órgão que dirige ou se retrate publicamente, é reduzir ainda mais a estatura diminuta do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
"Se o senhor dispõe de informações que levantem o menor indício de corrupção sobre este brasileiro, não perca tempo nem prevarique, senhor presidente. Determine imediata investigação policial sobre a minha pessoa aliás, sobre qualquer um que trabalhe hoje na Anvisa, que com orgulho eu tenho o privilégio de integrar", escreveu Barra Torres.
"Agora, se o senhor não possui tais informações ou indícios, exerça a grandeza que o seu cargo demanda e, pelo Deus que o senhor tanto cita, se retrate", acrescentou. Bolsonaro e aliados transformaram a Agência Nacional de Vigilância Sanitária em alvo porque a agência tem guiado decisões através da ciência, como o aval técnico à vacina da Pfizer (aquela que Jair disse que transformava pessoas em jacarés) para crianças.
Em sua cruzada contra a proteção das crianças, Bolsonaro insinuou que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária tem interesses escusos por trás da liberação do imunizante e diz não saber a pressa para aprovar produtos que salvariam crianças. A resposta está nos dados do Sistema de Vigilância Epidemiológica da Gripe: do começo da pandemia até 6 de dezembro, foram registrados 301 mortes entre 5 e 11 anos por covid-19.
O texto do contra-almirante é uma chulapada elegante em um Bolsonaro que, ironicamente, vive de lacração. Não seria surpresa caso o gabinete do ódio que opera dentro do Palácio do Planalto esteja preparando alguma fake para que a nota pública não fique sem resposta junto ao bolsonarismo-raiz. Afinal, o presidente precisa manter a aura de "mito" para sua base de apoiadores.
Apesar da manutenção de a estabilidade no serviço público ser fundamental para que funcionários possam peitar ordens ilegais e estapafúrdias de políticos, proteção que muita gente adoraria ver removida em uma Reforma Administrativa, a diferença entre eles vai além da garantia de mandato de Barra Torres - que não pode ser demitido até 21 de dezembro de 2024.
Há diretores de autarquias federais que, por proximidade de pensamento ou planejamento de seu futuro político, não peitam presidentes. Pelo contrário, preferem bajulá-los em detrimento ao interesse público. O que não tem sido o caso de Barra Torres e da Anvisa, que colocam a saúde coletiva acima dos interesses eleitorais e ideológicos de Bolsonaro.
E estabilidade do cargo nenhuma evitará o fato que, por conta da coragem de publicar a nota, ele e sua família já estão sendo alvos da máquina do ódio bolsonarista.
Já Marcelo Queiroga não foi reduzido à condição análoga à de escravo, crime previsto no artigo 149 do Código Penal. Ele não é um trabalhador que foi enganado, assediado, ameaçado ou agredido para endossar o comportamento criminoso do presidente, tampouco para ajudar em sua sabotagem ao combate à pandemia - o epidemiologista Pedro Hallal fala em 500 mil mortes evitáveis. Queiroga se ofereceu conscientemente para o serviço, mesmo tendo condições para dizer não.
Luiz Henrique Mandetta, por exemplo, bateu de frente com o negacionismo de Bolsonaro ainda como ministro da Saúde e deixou o cargo. Nelson Teich não quis endossar a política de entupir os brasileiros de cloroquina e também vazou. Queiroga, por outro lado, aceitou se tornar cúmplice não só do morticínio de adultos, mas também o de crianças ao fazer de tudo ao seu alcance para atrasar a vacina a pessoas de 5 a 11 anos.
Mostrou-se, dessa forma, um homem pequeno, que tem medo de perder o máximo de poder que conquistará na vida, sonhando, talvez, em um apoio presidencial para disputar um cargo de deputado, senador e quiçá governador na Paraíba.
Tanto Barra Torres quanto Queiroga são médicos. O primeiro será lembrado pela história como um homem justo.
Já o segundo como alguém que cuspiu em cima do juramento de Hipócrates, ao deliberadamente esquecer que prometeu não causar dano ou mal, e ao ser cobrado disso em um protesto em Nova York, em setembro do ano passado, mostrou o dedo do meio aos manifestantes. Um homem que, ao ser convidado a escolher onde ficaria eternizado na História, preferiu a lata do lixo.