Denunciado, Bolsonaro terá que escolher entre liderar direita e a liberdade

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Dada a quantidade de evidências que comprovam o papel central de Jair Bolsonaro na tentativa de golpe de Estado na denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República, são grandes as chances de o ex-presidente amargar um xilindró - se, claro, não fugir antes, como apontei aqui ontem. Caso resolva ficar no Brasil e seja condenado e preso, terá que escolher entre a liderança da direita ou a garantia de sua liberdade. E pode depender do preço da picanha e da cerveja, no final das contas.
A aprovação de um projeto de anistia no Congresso Nacional é naturalmente complicada, até porque significa passar pano publicamente para o pessoal que invadiu, destruiu e defecou (literalmente) nas sedes dos Três Poderes no 8 de janeiro de 2023. E, mesmo que seja aprovado, é barbada que o Supremo Tribunal Federal ateste sua inconstitucionalidade.
Contudo, a eleição presidencial de 2026 pode tirar Bolsonaro da cadeia, a depender do resultado. Mantendo-se Lula ou alguém por ele apadrinhado, nada muda, ele continuaria em sua cela de Estado Maior. Ganhando um nome da oposição com apoio real do ex-presidente, o contexto muda, não apenas pela possibilidade de perdões, ainda que questionáveis, mas também pela correlação de forças. Vale lembrar que o STF só revogou o perdão concedido ao ex-deputado Daniel Silveira após Jair deixar o poder.
O que leva a ele uma ponderação: vale mais a pena para ele empurrar um de seus filhos para concorrer ao Palácio do Planalto, e tentar manter o controle do poder na família, ou abençoar um aliado mais competitivo, e transferir de vez a liderança da direita no país?
A princípio, ele deve tentar repetir a tática de Lula, de continuar como candidato em 2026, mesmo preso, até que a Justiça afirme que não será possível isso continuar pela Lei da Ficha Limpa - que, aliás, ele tenta revogar, o que é mais difícil do que uma anistia. A questão é que isso rouba tempo importante para que a oposição construa um nome de consenso. Em entrevista ao UOL, o senador Ciro Nogueira já disse que esse candidato ou candidata precisa ser definido ainda em 2025.
A popularidade de Lula, que anda em baixa histórica principalmente por conta do preço dos alimentos, ou seja, da alta do custo de vida, está gerando movimentações políticas.
As recentes declarações críticas ao governo federal vindas do presidente do PSD, Gilberto Kassab, que costuma ser mais discreto, dizem muito sobre a continuidade do bolsonarismo sem Bolsonaro. Ele, que está na base do governo federal, mas também é um dos principais assessores do governador de São Paulo, sentiu a oportunidade para Tarcísio de Freitas.
Nos bastidores, o governador teria dito que aceitaria concorrer com o apoio total de Jair, apesar de abertamente negar e afirmar que a prioridade é a reeleição em São Paulo. A própria movimentação do prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes, de olho no Palácio dos Bandeirantes, indica que pode vagar uma cadeira no ano que vem.
A construção de uma alternativa que poderia ajudar a tirar o ex-presidente da cadeia depende, em última instância, do próprio abrir mão, em primeiro lugar, de sua estratégia de arrastar-se como candidato fictício nas urnas para se fortalecer e vitimizar (hoje, aliás, ele já está inelegível devido a duas condenações pelo TSE que não têm a ver com golpismo) e, segundo, de querer liderar a direita, aceitando ceder o lugar e a vez a outra pessoa. Porque é fanfic achar que o capitão Tarcísio bateria continência ao capitão Jair ao chegar à Presidência.
Claro que falta combinar tudo isso com os russos, ou melhor, com os petistas, uma vez que Lula tem a máquina e a caneta de gastos na mão e ainda falta um ano e oito meses. Para perder com isso, Bolsonaro teve que ser sócio de 700 mil mortes por covid-19 na pandemia, o que não é pouco.
Além disso, uma coisa é o Lula presidente, a outra é o candidato. Se o primeiro anima político parece cansado, o segundo nem tanto. Se tiver saúde física e mental e a inflação estiver controlada, o próprio Tarcísio não vai querer se arriscar.
Ao apagar das luzes, a liberdade de Bolsonaro no médio prazo pode depender do preço do arroz e do feijão, mas também da picanha e da cerveja, em outubro de 2026.