Topo

Marcos Silveira

Pandemia escancara vulnerabilidade de 50 milhões da nova classe C

8.mai.2020 - Movimentação no bairro da Vila da Penha, zona norte do Rio de Janeiro, em meio à pandemia do novo coronavírus - Cléber Mender/Agência O Dia/Estadão Conteúdo
8.mai.2020 - Movimentação no bairro da Vila da Penha, zona norte do Rio de Janeiro, em meio à pandemia do novo coronavírus Imagem: Cléber Mender/Agência O Dia/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

14/05/2020 10h33

Desde 2002, a classe C foi o pilar econômico que sustentou o desenvolvimento no Brasil. Agora, com a pandemia, pouco se fala sobre ela.

Dois em cada três brasileiros pertencem às classes CDE. A relevância dessa parcela da sociedade é notável.

Segundo Maurício Prado, sócio e diretor-executivo da Plano CDE, empresa de consultoria e pesquisa com foco nessas classes, há um número aproximado 130 milhões brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza, na comparação internacional.

Aqui está sua visão de quais serão os efeitos da pandemia na base da pirâmide.

Como você avalia o impacto da Covid-19 para as classes C, D e E no Brasil?

Há uma série de hábitos e dinâmicas familiares que embasam minhas análises sobre essas classes. São fenômenos identificados que podem ser aplicados para inúmeras dimensões: renda, saúde, educação, inclusão produtiva, habitação e várias outras.

Um exemplo. A pandemia inflacionou os preços para alimentos para essa população. Antes havia grupos de compras coletivas nos atacados, amigos iam de carro juntos para conseguir descontos. O WhatsApp e a aquisição de carros próprios fizeram uma revolução no atacado. Depois da pandemia, as compras passaram a ser individuais e nos mercadinhos locais, que costumam praticar preços bem mais altos que o atacado.

Então a renda foi a maior perda?

Essa foi a dimensão mais impactada, pois quanto menor sua classe social, mais variáveis são as rendas das famílias. Uma família classe E possui uma variação de rendimentos enorme entre 4 meses. Percebemos isso em nossa última pesquisa. Mais de 51% das famílias de classe D e E perderam metade ou mais das suas rendas.

Você poderia explorar melhor o recorte da classe C?

Apesar de identificarmos a classe C como uma classe média no Brasil, ela ainda é muito vulnerável. Os critérios de pobreza e extrema pobreza foram flexibilizados e isso gerou distorções.

Temos uma classe média que ganha entre R$ 2.000 e R$ 6.000 por mês. Estamos falando de 80 milhões de pessoas nesse "miolo social".

Porém, é uma classe média pobre em comparação a outros países. A grande maioria dessa classe C seria considerada pobre em critérios do Banco Mundial, ao aplicar a linha de rendimentos acima de 8 dólares por dia.

O exemplo prático disso: somos o país do elevador social e do elevador de serviço. Há um número aproximado 130 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza internacional.

Classes CDE Plano CDE - Plano CDE - Plano CDE
Análise Classes Sociais no Brasil
Imagem: Plano CDE

Como você avalia o que está sendo feito?

O auxílio emergencial, de R$ 600 ou R$ 1.200 para mães ou pais solteiros, foi uma boa política focalizada para atender o grupo de classes D e E.

Para um piso superior, a classe C2, a política de auxílio emergencial acaba dando conta de uma boa parcela. Aqui estão 30 milhões que vão ganhar o benefício.

Porém, o extrato total da classe C é composto por 80 milhões. Há outros 50 milhões de brasileiros que compõem a classe C1, sem benefícios. Eles ficaram no buraco.

Por que isso é preocupante?

50 milhões é um número muito grande. Segundo nossa pesquisa, menos de 20% tem dinheiro para chegar até o próximo mês. E, em média, 30% da renda anterior da classe C1 estava comprometida com dívidas passadas.

A baixa poupança e quebra de fluxo das pessoas não vão gerar renda de curto prazo para essa parcela. Dessa forma, o crédito não é suficiente.

A pessoa não vai conseguir pagar esse empréstimo no futuro. A necessidade urgente é de um benefício direto e possíveis abonos de contas de luz ou outras despesas.

E quais os impactos na área da educação?

O aumento de desigualdade tende a acontecer. 15% da nossa rede é privada e 85% é pública.

Com o coronavírus, a debate da educação foi sobre a falta de acesso de internet. É relevante, porém, 85% das famílias acabam tendo acesso à internet. O lado negativo é que grande do acesso é pelo celular. E o celular é uma mídia muito limitada para educação. Os problemas são mais estruturais.

Primeiro ponto. Faltam equipamentos. Somente 20% das residências de jovens em escola pública possuem computador para um estudo de qualidade.

Segundo, há moradias sem espaço adequado. Devido à alta densidade populacional das casas, não há um espaço separado para as crianças realizarem seus estudos. Além de não haver cômodo, não há mesa e luz adequadas e cadeira confortável. Sem contar o apoio da merenda balanceada para o dia a dia das crianças e famílias.

Terceiro, há um baixo letramento digital dos pais. A maioria dos materiais que são dados acaba sendo complexo para os alunos entenderem de forma autônoma. Os pais precisam ajudar com buscas pela internet ou explorar arquivos digitais. Mas a grande parte deles não tem o letramento digital necessário para desempenhar essa função.

Há impactos mapeados em outras áreas?

Há um dado curioso do Brasil. Desde o Plano Real, a gente deixou de ter problema com desnutrição e a obesidade passou a ser a prioridade.

Com o aumento de renda nas classes CDE nos últimos tempos, aumentou também o consumo de alimentos. Porém, faltou uma educação alimentar para que alimentos de qualidade fossem ingeridos. Não há consumo de frutas e verduras, e há uma baixa taxa de atividade esportiva.
Isso faz com que a população dessas classes tenha mais fatores de risco.

Aumentou consumo de alimentos processados, bolacha recheada, doces, refrigerantes. Resultado: há mais pessoas com comorbidades. Temos mais obesos, hipertensos e diabéticos.

Como você observa o cenário pós-covid-19?

Haverá um alto endividamento, principalmente para classe C1. A classe C já tinha um endividamento maior do que D e E. Essa parcela teve mais acesso a crédito, porém não recebeu educação financeira para saber usar o crédito.

Para classes D e E o risco é de fome mesmo. Principalmente se não haver continuidade no auxílio dos R$ 600,00. Apesar do enorme esforço do 3º setor ajudar, só o governo é capaz de executar a política mais universal.

Há alguma maneira de enxergar pontos positivos?

Sim. Por outro lado, existe uma oportunidade gigante para o governo conhecer melhor as 80 milhões de pessoas da Classe C. Boas políticas foram feitas para classe D e E. São 50 milhões de pessoas atendidas pelos Cras e Bolsa Família, questionários que foram feitos para entender se os filhos vão para escola.

Isso poderia ser expandido para a Classe C, como uma oportunidade fantástica. Ação de microcrédito poderia ser impulsionada, política de inclusão produtiva seria fantástica, um Pronatec 2.0.

Para finalizar de maneira positiva, eu resumiria a oportunidade de qualificar o acesso em 3 frentes.

As famílias na base da pirâmide tiveram acesso, o próximo desafio seria de qualificar.

A classe C ascendeu graças às inclusões nesses 3 eixos: acesso a alimentos, bancos e tecnologia/internet. Porém o acesso não é de qualidade.

O caminho é qualificar para uma melhor cesta de alimentos, uma melhor educação financeira no uso de crédito e um acesso de qualidade na inclusão tecnológica.

Link Datapedia

Link Plano CDE.