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Reinaldo Azevedo

Jefferson governista surgiu em TV que levou ao ar morte de bebê no estúdio

Roberto Jefferson (segundo a partir da dir.) e a equipe de "O Povo na TV". Ali está Sérgio Mallandro (terceiro a partir da esq.). Era o "mallandro" com dois eles. - Reprodução
Roberto Jefferson (segundo a partir da dir.) e a equipe de "O Povo na TV". Ali está Sérgio Mallandro (terceiro a partir da esq.). Era o "mallandro" com dois eles. Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

11/05/2020 08h42

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Roberto Jefferson, o homem do fuzil para enfrentar os que considera inimigos do governo, inclusive o Supremo, ficou conhecido do grande público na década de 80 como um dos comentaristas circenses, sem ofender os palhaços, de um programa chamado "O Povo na TV", do atual SBT, que se chamava, então, TVS. Era uma atração degradante, que se dispunha a resolver os problemas de pessoas desassistidas, invariavelmente muito pobres, que teriam apelado, sem resposta, ao poder público.

Nunca a televisão brasileira foi tão fundo no mundo-canismo. O que se vê por aí ainda hoje em matéria de exploração da boa-fé do público e de mercantilização da ignorância, da miséria e da violência nem sequer arranha, na comparação, a indignidade que era cotidianamente levada ao ar. Para vocês terem uma ideia: no dia 14 de dezembro de 1982, um bebê de 9 meses, com tumor em um dos olhos, morreu nos estúdios da emissora! Vocês leram direito.

A mãe da criança apelou à produção do programa afirmando que havia procurado atendimento em vários hospitais públicos, sem sucesso. Em vez, então, de se oferecer ajuda ao bebê, ele foi levado à TVS, já agonizante, para ser exibido. "O Povo na TV" contava com sete apresentadores. Entre eles, estavam Wagner Montes, que também virou político, Sérgio Mallandro e Jefferson. Foi exibido entre 1981 e 1985, dando projeção a um Jefferson rotundo, eloquente, que gostava de falar difícil para os simples, passando a impressão de sabedoria.

A visibilidade conquistada naquele pântano moral lhe rendeu o primeiro mandato de deputado federal (1983-1987). E ele seguiu adiante, até ser cassado em 2005. Foi o mais barulhento membro do que se chamou, então, "tropa de choque de Fernando Collor". Bolsonaro, como vemos, gosta de andar de moto aquática, a exemplo do presidente impichado. Precisa tomar cuidado para o apoio de Jefferson, hoje bem mais magro, não se tornar, simbolicamente, o beijo da morte.

VICIADO EM GOVERNO
Veio Itamar Franco, e o convicto Jefferson, sempre com o sarrafo, o da retórica, elevado, aderiu. Também foi da base de apoio a FHC, hoje atacado por ele como suposto conspirador. Votou a favor da emenda da reeleição, por exemplo. Na campanha de 2002, apoiou Ciro Gomes, mas não demorou para ser atraído pelo petismo. Seu adesismo sempre é maiúsculo, grandiloquente, espalhafatoso. Caiu em desgraça com a CPI dos Correios -- que tinham sido entregues à sua turma pelo PT -- e saiu atirando contra José Dirceu, com quem nunca se entendeu.

Mais tarde, ele se tornou fã da então ministra, depois presidente Dilma Rousseff. Mesmo sem mandato, mas ainda chefão partidário, passou a apoiar o impeachment, o que não quer dizer grande coisa porque, num determinado momento, só as esquerdas se opunham. Na verdade, ele já se preparava para aderir à gestão seguinte. Apoiou o governo Michel Temer — Cristiane Brasil, sua filha, chegou a ser indicada para o Ministério do Trabalho, mas foi impedida de assumir pelo STF.

Agora, seguindo a tradição, Jefferson se rende de mala, cuia e fuzil a Bolsonaro.

Vale dizer: havendo governo, ele é a favor. E sempre adere por bons motivos — para si mesmo. É capaz de atacar aliados de ontem com a mesma energia com que elogia os contratantes de hoje. Sem nunca abandonar seus gestos teatrais, suas frases de efeito, seus rompantes de Carlos Lacerda da periferia do pensamento.

O MAIS NOVO CRISTÃO HOMOFÓBICO DA PRAÇA
Ah, sim: faltava a Jefferson posar de cristão, homofóbico, anti-Globo e antiglobalista. Já está em ação. Ele não se oferece apenas para a luta armada e não se limita a ameaçar o Supremo. Simula também ser um conservador dos costumes e da religião.

Uma das provas de fogo para ser um bolsonarista legítimo é hostilizar os gays, ainda que o adesista seja... gay! Não estou sugerindo que ele seja, mas apenas destacando o grau da abjeção necessária. Escreveu o valentão do fuzil no Twitter:
"Bolsonaro venceu a eleição com a promessa de defender a família cristã, dos ataques feitos pelos sodomitas, autores e diretores das novelas inspiradas em Sodoma e Gomorra, pela Rede Globo de TV. Foi impedido, não conseguiu. Bolsonaro é alvo de campanha infamante pela Globo."

Viram? Jefferson é também um caça-sodomitas, além de porta-voz da "família cristã". Nada mal para aquele que confessou ter recebido uma mala de dinheiro ilegal na campanha eleitoral de 2002...

Também aderiu à campanha contra a China.

NA GUERRILHA, COM FAKE NEWS
Há uma coisa que o buliçoso político nunca foi: burro. Depois de tudo, ele continua chefe de um partido. Vale para ele a máxima "de uma inteligência em busca de um caráter". Escreve, por exemplo:
"O STJ derrubou a ordem de outras instâncias da Justiça que obrigavam o presidente Bolsonaro a entregar os seus exames médicos. Quanto tempo levará para Celso de Mello soltar uma liminar derrubando a decisão do STJ e obrigando o presidente a entregar novamente?"

A natureza da ação permite uma decisão monocrática do presidente do STJ. Quando o caso chegar ao Supremo, irá também cair nas mãos do presidente: Dias Toffoli ou Luiz Fux — se isso ocorrer depois da sua posse, em setembro. Como cabe agravo, a palavra final será do pleno. Não será Mello a arbitrar a respeito. O advogado Jefferson tem ciência de que o Supremo vai impor ao presidente a divulgação do resultado do exame. É o que dispõem a Lei de Acesso à Informação e a Constituição. Teratológico foi o despacho de João Otávio Noronha, presidente do STJ.

O bolsomínion da luta armada está apenas fazendo uma previsão do óbvio para posar de pitonisa das trevas.

Em outra postagem, escreve:
"Celso de Mello recebeu a gravação da reunião ministerial, e colocou o material sob "sigilo temporário". Afirmou que vai analisar e pode vir a tornar público o conteúdo. Ou seja: se tiver algo comprometedor, ele entrega pro Jornal Nacional. Se não tiver nada, vai manter o sigilo."

Ou não leu o despacho do ministro ou, se leu, está mentindo. Foi a AGU quem pediu sigilo sobre parte do material. Mello não se manifestou sobre sigilo parcial, mas sobre o sigilo temporário, deixando claro que tem vigência determinada. Vale dizer: se não mudar de ideia — e ele pode —, a decisão já tomada é em favor da divulgação de todo o conteúdo. Apenas espera uma manifestação da PGR. Nem precisaria fazê-lo, mas prefere se cercar de todos os cuidados.

A postagem é de uma vigarice intelectual e jurídica ímpar porque:
1 - a decisão de Mello já está tomada: em favor da divulgação da totalidade da reunião;
2 - quem não quer a divulgação da íntegra é o governo;
3 - logo, se Mello impuser sigilo a alguma coisa, será atendendo ao governo, não a seus adversários ou à imprensa;
4 - Jefferson, em todo caso, ajuda: eis aí, ministro Celso de Mello: o mais novo pilar do bolsonarismo está a pedir a divulgação da íntegra. Que assim seja!;
5 - se e quando houver a suspensão do sigilo, não será apenas a Globo a ter acesso. O material estará disponível para todos quantos queriam consultar os autos.

É claro que Jefferson sabe de tudo isso. O pagamento certamente compensa não só posar de miliciano, carola e homofóbico. Vale a pena até se passar por idiota.