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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ladrões sem casaca: quem fez o quê no caso das joias e quais são os crimes

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Imagem: iStockphotos

Colunista do UOL

08/03/2023 03h07Atualizada em 08/03/2023 21h41

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Tanto a Polícia Federal como a Controladoria Geral da União estão investigando as lambanças das joias, cada uma na sua área. Vários artigos dos Código Penal foram visitados pelos patriotas que chegaram ao poder para, como é mesmo?, "livrar o país do comunismo". E será preciso individualizar as condutas para saber quem fez o quê nessa operação dos ladrões sem casaca.

1 - PECULATO
Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.
§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

Bolsonaro está de posse de uma das caixas de joia, que estaria num depósito, e só não levou a outra porque funcionários da Receita resistiram ao assédio. Todos aqueles que concorreram para que o ex-presidente ficasse com parte dos bens podem receber a mesma imputação: Bento Albuquerque, por exemplo. Também o tenente-coronel Mauro Cid, vamos ver o que aponta a investigação, pode ter incidido no Parágrafo 1º.

2 - ADVOCACIA ADMINISTRATIVA
Art. 321 - Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário:
Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.
Parágrafo único - Se o interesse é ilegítimo
Pena - detenção, de três meses a um ano, além da multa.

Creio que o tipo penal dispensa explicações. Ou talvez caiba uma observação: também os demais servidores, ministros e autoridades que atuaram em favor dos interesses de Bolsonaro podem ser alvos dessa imputação. Um caso notório é o então secretário da Receita, Júlio César Vieira Gomes. Não é o único. Há uma penca de funcionários envolvidos no rolo. Cada pessoa investida de cargo público que agiu para tentar a liberação ilegal ou que colaborou para Bolsonaro ficar com um bem que pertencia ao Estado brasileiro pode ser enquadrada.

3 - FACILITAÇÃO DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO
Art. 318 - Facilitar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando ou descaminho:
Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa, de um conto a dez contos de réis.
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

As joias entraram irregularmente no país, como resta evidente. Se ficar evidenciado que alguém concorreu, de maneira consciente, para que isso acontecesse, cometeu o crime acima tipificado.

4 - DESCAMINHO
Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Ou bem as joias deveriam ser incorporadas, sem custos, ao patrimônio brasileiro, conforme a afirmação de Bento Albuquerque, ou bem era uma operação privada, não?

CORRUPÇÃO PASSIVA
Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.
§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Há uma estranheza geral com o valor dos presentinhos dados a Bolsonaro e à sua mulher pela ditadura saudita. Nada impede, claro!, que aquela autocracia tenha se encantado pelos dons do pensamento do "Mito". Mas, convenham, não é fácil apostar nisso. A PF vai investigar se os mimos estão vinculados à facilitação de algum negócio. Nesse caso, ter-se-ia caracterizado a corrupção passiva, como vai acima. A cana pode chegar a 12 anos. Com ato de ofício, pode ser majorada em um terço.