Topo

UOL Confere

Uma iniciativa do UOL para checagem e esclarecimento de fatos


É enganoso relacionar indenização britânica a mortes pela covid

12.jun.2023 - Indenização é paga pelo menos desde 2012 para "casos extremamente raros" e que envolvam qualquer uma das vacinas em uso no Reino Unido - Projeto Comprova
12.jun.2023 - Indenização é paga pelo menos desde 2012 para "casos extremamente raros" e que envolvam qualquer uma das vacinas em uso no Reino Unido Imagem: Projeto Comprova

12/06/2023 11h06

Texto e post do site Brasil sem Medo (BSM) enganam ao relacionar indenização paga pelo governo britânico por danos causados por qualquer vacina a número de mortos por covid-19, afirmando, de maneira distorcida, que números oficiais mostram que pessoas vacinadas são as que mais morreram pela doença. A indenização é paga pelo menos desde 1997 para "casos extremamente raros" e que envolvam qualquer uma das vacinas em uso no Reino Unido. O conteúdo verificado tenta descredibilizar os imunizantes contra a covid-19, mas o órgão de saúde britânico os defende no texto que o BSM usa como fonte - o site omite esta informação. Além disso, o relatório usado pela página considera números de óbitos absolutos para fazer comparações, o que não é a maneira correta. É natural que haja mais mortes entre vacinados em uma população que já foi majoritariamente imunizada, informou a autoridade de saúde do Reino Unido ao Comprova.

Conteúdo investigado: Texto intitulado "Governo britânico anuncia indenização de 120 mil euros para vítimas de vacinas" que diz que "em março deste ano, um relatório publicado pela Agência de Saúde do Reino Unido apontou que os vacinados são maioria entre as mortes por covid-19". O conteúdo foi replicado no Twitter.

Onde foi publicado: Site Brasil sem Medo, Instagram e Twitter.

Conclusão do Comprova: É enganoso post que relaciona o fato de o governo britânico ter publicado em seu blog informações sobre o esquema de pagamento por danos causados por vacinas a um relatório da UK Health Security Agency (UKHSA), a autoridade de saúde britânica, segundo o qual "os vacinados são maioria entre as mortes por covid-19". O post desinforma ao sugerir que as vacinas contra o novo coronavírus não são seguras. A indenização existe pelo menos desde 1997 (muito antes da pandemia) e não foi anunciada recentemente, como algumas pessoas que compartilharam a desinformação acreditaram.

O texto leva a uma interpretação errada dos dados ao dar destaque a número mais alto de mortes entre vacinados quando a maior parte da população já se imunizou. "Não é que as pessoas vacinadas tenham maior probabilidade de morrer, é porque há mais pessoas vacinadas do que não vacinadas. Sempre haverá algumas infecções que levam à morte porque nenhuma vacina é 100% eficaz, mas uma pequena proporção de uma população muito grande (vacinada) é geralmente maior do que uma proporção maior de uma população menor (não vacinada)", explicou a UKHSA ao Comprova.

Conteúdos fazendo esta afirmação enganosa - a de que os vacinados morreram mais do que os não vacinados - circulam desde o ano passado e um deles já foi verificado pelo Comprova.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Publicado pelo site Brasil sem Medo, o post foi visualizado mais de 13,8 mil vezes no Twitter e compartilhado 178 vezes até 9 de junho. Um dos perfis que compartilhou o conteúdo enganoso no Instagram teve mais de 19,4 mil interações até a data.

Como verificamos: Utilizando o Google, fizemos uma pesquisa pela principal alegação do post (Reino Unido anunciou pagamento de indenizações por danos causados por vacina) e localizamos uma publicação recente sobre o modelo de pagamento por danos causados por vacinas. Em seguida, buscamos saber como funciona a política e desde quando ela existe. O próximo passo foi descobrir quando o imunizante contra a covid-19 foi inserido no sistema. Partimos então para a segunda alegação (dados de março apontam que maioria dos mortos por covid no país é vacinada) e consultamos os relatórios recentes da UK Health Security Agency sobre vacinação. Também entramos em contato com a agência, via e-mail, para solicitar mais detalhes sobre os dois assuntos. Por fim, procuramos os autores dos posts.

Reino Unido já pagava a indenização antes da covid-19

Apesar de ter sido publicado um comunicado recente sobre como funciona o esquema de pagamento por danos causados por vacinas no blog do Departamento de Saúde e Assistência Social, a política não é uma novidade para os britânicos. Existe notícia de 2005 informando os pagamentos a pacientes incapacitados por vacinas pelo menos desde 1997.

O comunicado ao qual os posts verificados se referem explica que é fornecido um pagamento único, isento de impostos, no valor de 120 mil libras, em "ocasiões muito raras" de uma vacina ter causado uma incapacidade grave. Logo no início do informativo é destacado que todas as vacinas usadas no país passaram por testes clínicos robustos e atenderam aos rígidos padrões de segurança, eficácia e qualidade da Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde (MHRA, na sigla em inglês) .

Isso inclui a vacina contra a covid-19, acrescentada ao programa em dezembro de 2020, antes mesmo de o uso ser aprovado no país. À época, o governo informou que os imunizantes só seriam implantados quando atendessem a padrões rígidos de segurança, eficácia e qualidade e fossem aprovados pelo órgão regulador.

O governo britânico mantém duas páginas oficiais (1 e 2) sobre os pagamentos, informando, inclusive, que eles podem ser feitos para danos causados por outras 18 vacinas, além da que combate o coronavírus. Entre elas, estão imunizantes comumente aplicados ao longo da vida das pessoas, como os que previnem contra influenza, sarampo, poliomielite, varíola e tétano.

Morrem mais vacinados porque o número de imunizados é maior

O texto compartilhado no Twitter cita que um relatório publicado pela Agência de Saúde do Reino Unido apontou que os vacinados são maioria entre as mortes ocorridas por covid-19 durante o mês de março deste ano. A publicação acrescenta que o período analisado foi de 28 de fevereiro até 27 de março, mas essa afirmação é incorreta.

A agência informou ao Comprova que desde o relatório publicado em 6 de abril - que traz dados do mês anterior - não é mais incluída a seção com registros sobre status vacinal dos casos, mortes e hospitalizações com covid-19. O órgão explicou que isso ocorre porque em 1º de abril de 2022 o governo do Reino Unido encerrou o fornecimento de testes gratuitos para o público em geral e a mudança afetou a capacidade de monitorar de forma robusta os casos de covid por status de vacinação.

Um comunicado sobre o assunto foi postado no blog da agência. Nele, é informado que os dados dos relatórios anteriores mostram que as taxas de hospitalização e mortes são substancialmente mais baixas em pessoas totalmente vacinadas, em todas as faixas etárias, sendo claro que as vacinas fornecem alto nível de proteção contra efeitos mais graves da doença.

A reportagem consultou o relatório publicado em abril e confirmou a informação fornecida pela agência. O documento cita dados coletados entre 27 de fevereiro e 26 de março - data próxima à citada pelo site -, porém eles não são referentes a mortes de pessoas com covid, mas sim a taxas de hospitalização pela doença entre pessoas vacinadas.

A agência britânica destacou que, no contexto da cobertura vacinal muito alta na população, mesmo com uma vacina altamente eficaz, é natural que uma grande proporção de casos, internações e mortes ocorra em indivíduos vacinados, isso porque é maior a proporção da população vacinada.

Onde a desinformação surgiu

O perfil que disseminou a desinformação nas redes foi o do site Brasil sem Medo. A página conservadora publicou em 5 de junho um texto intitulado "Governo britânico anuncia indenização de 120 mil euros para vítimas de vacinas". A desinformação começa no título, pois o valor é de 120 mil libras, e não euros.

Ao compartilhar o texto no Twitter, o perfil relacionou a indenização à vacinação contra a covid-19 ao incluir a legenda "Em março deste ano, um relatório publicado pela Agência de Saúde do Reino Unido apontou que os vacinados são maioria entre as mortes por covid-19". Aqui, novamente, há outro erro: o texto linkado sobre as mortes é do próprio Brasil sem Medo, de 14 de abril de 2022, e não deste ano.

Não é a primeira vez que o site espalha desinformação. O Comprova já verificou outros cinco conteúdos disseminados por eles (1, 2, 3, 4 e 5) - destes, quatro negam medidas comprovadamente eficazes contra a disseminação da covid-19.

Na aba "Sobre" do site, cujo logo é Novo BSM, não há nenhuma informação a respeito da publicação. Em verificação de 2021, o Comprova afirmou que a plataforma se identificava como "o maior jornal conservador do Brasil". Em redes como Twitter e Instagram, a página se define como "o único streaming de notícias e análises sobre política e cultura, declaradamente conservador".

Ainda no site, na aba "Autores" aparece o nome de Olavo de Carvalho, que ficou conhecido como guru bolsonarista e morreu no ano passado. O site republica textos antigos dele.

O que diz o responsável pela publicação: O Brasil Sem Medo foi procurado, mas não respondeu até a publicação desta verificação. Um perfil no Instagram que usou o material e viralizou também não retornou o contato.

O que podemos aprender com esta verificação: É possível observar indícios de desinformação quando um texto parece evitar apresentar detalhes do assunto abordado. No caso aqui verificado, o conteúdo não contextualiza as informações referentes às políticas britânicas de vacinação e no âmbito da covid-19.

Primeiro, o site causa alarde ao noticiar que o Reino Unido divulgou estar indenizando vítimas de efeitos colaterais causados por vacinas e ao associar essa informação às mortes causadas pelo novo coronavírus. O texto omite que esses pagamentos existem há pelo menos 20 anos e são disponibilizados também para outros imunizantes. O texto também ignora a informação da agência de saúde britânica de que os casos de efeitos colaterais graves são raros.

Em seguida, o autor da publicação cita dados sobre mortes entre vacinados ignorando a orientação da fonte das informações de que eles devem ser lidos respeitada a proporcionalidade entre vacinados e não vacinados no país.

Desde o início da pandemia de covid-19, tanto a doença quanto as vacinas desenvolvidas para o combate a ela têm sido alvos de desinformação, portanto, é importante redobrar a atenção para conteúdos que abordem esses dois temas. Informações seguras podem ser consultadas junto às agências reguladoras, órgãos de saúde e imprensa profissional.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já checou diversas alegações que tentam descredibilizar a eficácia das vacinas contra a covid-19, associando-as a mortes. Já foi demonstrado, por exemplo, que a proporção de óbitos pela doença é maior entre não vacinados no Reino Unido, diferentemente do que insinua post, que site engana leitores ao usar título sensacionalista sobre morte de imunizados e ser enganoso que imunizante contra a covid-19 tenha provocado aumento de mortes entre crianças.

Este conteúdo foi investigado por Folha e Estadão. A investigação foi verificada por A Gazeta, O Popular e AFP.

O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.